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Carta de Amor a Lisboa: André Henriques

Desafiámos alfacinhas com jeito para as palavras a escrever a Lisboa, a cidade do nosso coração.

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Não és tu, sou eu

Sempre te vi de longe, sempre me pareceste distante. Nariz empinado ou dona do seu nariz, como é que se diz? São coisas diferentes, na verdade, e nunca soube bem que coisa és tu.

Ir ao teu encontro era um acontecimento, um frenesim que me perturbava o sono.
Parecias-me tão grande, tão cheia de possibilidades e ao mesmo tempo indiferente a tudo isso. Nunca te disse que me tremiam as pernas quando ouvia o chiar dos carris e o manto negro nos descobria finalmente a cara. Como era possível, maravilhar-me sempre com a inevitabilidade da tua luz? É que eu sabia o túnel todo, quantos minutos se demorava, cada solavanco, mas ver-te chegar em pombos e passos de gente apressada era qualquer coisa. Sabias que não há pombos no subúrbio? Eu nunca vi nenhum por lá. Ratos com asas, como se diz. No subúrbio os ratos não aprendem a voar e eu, que sempre tive medo de alturas, fui por terra ao teu encontro na primeira oportunidade.

Amei-te, pode-se dizer que sim, envaideci quando te vi inteira sobre o rio. Amei-te num amor daqueles que não se diz em voz alta para não agoirar. Chamei-te minha. A minha cidade, a minha rua, a minha casa.

Mas amar uma cidade custa, já viste a parvoíce? É como alguém se apaixonar por um moinho de pedra e esperar sair ileso. Tomei-te por garantida, achei que terias sempre um lugar para mim no teu coração. Numa artéria, vá. Numa simples veia que fosse, um vão de escada a preço de poder esticar as pernas.

Se calhar não és tu, sou eu. Sabes como é, guardo para mim e quando finalmente abro a boca sai-me tudo, o que quero e o que não quero. Vamos tentar de novo?

- André Henriques, músico

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