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O espaço do antigo restaurante Optimista, nas imediações do Mercado da Ribeira, está tal e qual era: a cabeça gigante de um unicórnio pendurada no alto a dar-nos as boas vindas, as paredes rugosas, as mesas com sofás e muitas almofadas. É capaz de ter mudado uma coisa aqui e ali, pormenores, mas Bruno Caseiro e a sua equipa quiseram aproveitar ao máximo o espaço, que já tinha uma cozinha equipada, para a qual trouxeram apenas um ou outro equipamento que lhes daria jeito. Aqui viverá a Cavalariça, o restaurante que se mantém firme na Comporta desde 2017, com uma cozinha descontraída, com muita técnica e bom produto português. Será um pop-up prolongado, por agora até 31 de Março, com possibilidade de encurtar ou estender a temporada, consoante o que os tempos tragam.
De lá veio o pão com massa mãe que inicia a refeição, com crosta estaladiça e interior húmido, em conjunto com uma focaccia também com massa-mãe e batata, servidos com azeite e manteigas caseiras (4,50€), o brioche torrado com parfait de fígados de galinha e chutney de laranja (7€, imperdível) ou os croquetes de cachaço de porco alentejano com maionese de amêijoa e mostarda (3€ a unidade). O resto da carta, dividida entre entradas, pratos principais e sobremesas, tem alguns pratos que já passaram pela Comporta, mas com ligeiras alterações – também por culpa da sazonalidade que rege a Cavalariça – e outros criados especialmente para a capital. Bruno quer aqui fazer uma versão ligeiramente diferente. “Não é para ser só uma cópia noutro espaço físico. Queremos que haja uma continuidade para que exista uma conexão à Comporta, mas que ao mesmo tempo tenha novidade”, explica o chef na véspera da abertura deste pop-up “mais demorado” em Lisboa. “Aqui, o menu e as porções estão pensados para se comerem individualmente, não é necessário partilhar nem uma mesa grande. Há opções à unidade, que na Comporta não existem.”
Cerca de 80% dos produtores com quem trabalha mantêm-se, embora Bruno reconheça que em Lisboa existe uma maior facilidade de receber produto. Aqui conseguirá trabalhar com o Hortelão do Oeste para os frescos biológicos e com a Nutrifresco e a Fat Tuna para o peixe (no outro restaurante tem um fornecedor local, da Carrasqueira). Mantém a Cerquinha, o Vale das Dúvidas, as ostras da Neptuno ou o porco de Estremoz, da SEL.
O menu de arranque é bastante outonal e trabalha abóbora, castanha, dióspiro ou cogumelos. Tem ostras do Sado com ajo blanco, uma espécie de gaspacho de alho e amêndoa, e um puré de pêra (2,5€ a unidade), um novíssimo “rolo de Outono” com vegetais de época envoltos em folha de couve e hoisin de amêndoa (5,50€), um crudo de peixe selvagem, agora sarrajão, laminado e curado com aguachile de romã e toranja com lascas de cucamelon, um híbrido entre o pepino e a melancia, e physalis (10,50€) ou uns tortellinis caseiros de galinha que explodem e derretem na boca à primeira trinca, com um caldo de galinha infusionado com presunto e cogumelos silvestres (11€).
Nos principais há, por enquanto, abóbora hokkaido laranja assada com puré de abóbora com castanha, folha de misura, castanha ralada no topo e leitelho da manteiga da casa (14,50€) – se bem que, em breve a hokkaido laranja será substituída pela verde, também do Vale das Dúvidas, e só quando essa acabar a época e Bruno não encontrar mais nenhuma abóbora boa, sairá da carta. “Não mudo a carta toda de uma vez nunca, vou vendo o que os produtores têm. Vou mudando as guarnições, por exemplo”, explica.
Há também um prato de salmonete, apenas com a pele grelhada, molho de cataplana de batata doce e nabiças (24€) ou a presa de porco alentejano com picle de couve rábano, folha de mostarda e nabos estufados no molho de pimentão (18€). Nos acompanhamentos, batatas semelhantes às que serve na Comporta, com toucinho de porco fumado caseiro ralado no topo, mas aqui numa versão mil-folhas, bem crocante, que são laminadas muito finas e misturadas em manteiga e sal, postas numa prensa, onde ficam cerca de 12 horas para depois serem cozidas, bringidas e fritas (7€).
À sobremesa, peça a pêra escalfada com crumble de pistácios, mousse de pêra e redução de romã (7,50€), a versão do Paris Brest com choux de castanha e praliné de cogumelos e amêndoas (8,50€) ou o parfait de baunilha com bolo de sésamo negro e merengue, um doce que também existe na Comporta (8€).
Também a carta de bebidas, da responsabilidade de Fábio Nobre, chefe de sala e sommelier que está a acompanhar esta abertura em Lisboa, sofreu adaptações. “O estilo é diferente. A Comporta é mais funky, é mais destino de férias. Aqui é mais sóbrio”, explica Fábio. Há sodas artesanais, feitas na casa, que mudam quinzenalmente, e ginger beer, cocktails “nem muito frutados, nem muito formais”, e sempre uma versão sem álcool. A carta de vinhos partilha algumas referências com a Comporta mas foca-se mais na zona de Lisboa, ao invés da Península de Setúbal, e na oferta natural, biológica ou biodinâmica. Vinhos de baixa intervenção, “uma coisa de nicho, mas que é o que queremos fazer e o que se enquadra na lógica do restaurante”, refere.
A resposta à pandemia
Quando a Cavalariça abriu na Comporta, em 2017, Bruno e a mulher, Filipa Gonçalves, que gere o restaurante, já tinham a sensação de que seria um projecto sazonal e a vontade de ter algo permanente em Lisboa, que conseguisse suportar a operação, já existia. O restaurante foi dando cada vez mais trabalho, e ainda bem, mas a extensão do projecto acontece finalmente. Aproveitaram este espaço, com cozinha equipada (compraram apenas, por exemplo, um grelhador maior, para garantir a identidade do restaurante, muito focada nos grelhados e fumados), para se iniciarem no mercado lisboeta, onde entrarão em força com o restaurante definitivo CAV, no Chiado (será vizinho da Taberna da Rua das Flores) – as obras deverão começar no final deste ano para abrir, por fim, em 2021. É, também, uma resposta à pandemia. “Todos os anos, durante os meses de Inverno, enviamos algumas pessoas chave da equipa para estágios no estrangeiro, até Março, para crescerem, aprenderem e abrirem horizontes. Ajuda-nos a diluir custos com a equipa, porque são sempre estágios remunerados, e recebemo-los de volta em Abril, para a época alta na Comporta. Mas este ano não queríamos sujeitar ninguém a adoecer e estar longe de casa”, diz.
Nesta fase inicial, vai encontrar o chef na cozinha de Lisboa durante a semana e aos fins-de-semana de regresso à Comporta, onde foram levantadas as restrições de recolhimento obrigatório devido à diminuição do número de casos de infecções da Covid-19. Depois, dividirá o seu tempo irmãmente entre os dois espaços.
Na Comporta, para responder ao fecho dos restaurantes em Março, começaram um serviço de take-away que ainda mantêm, bem como a venda do pão caseiro. Em Lisboa não haverá take-away, mas a venda do pão, apenas por encomenda e em dias específicos, deverá começar nas próximas semanas. Dada a localização, próxima de escritórios de advogados ou da sede da EDP, também será testado também um menu fixo de almoço, com dois ou três pratos da carta a preço fixo. É estar atento, que vale a pena.
Rua da Boavista, 86 (Cais do Sodré). Ter-Sex 12.30-15.00/18.30-22.30. reservaslisboa@cavalarica.com