[title]
É numa das últimas salas que encontramos Lunguanda Yembe, óleo sobre tela de Wifredo Lam, que ilustra o cartaz oficial da nova exposição permanente do Museu de Arte Contemporânea de Belém, mais conhecido como MAC/CCB. Não é por acaso que a pintura produzida em 1950 pelo artista cubano – com ascendência africana, chinesa, mas também europeia – está em destaque entre reconhecidos mestres da vanguarda.
Para Nuria Enguita, directora artística do museu e uma das curadoras, estamos perante uma das obras mais importantes da exposição. Na Martinica, início da década de 40, o caminho de Lam cruzou-se com o de Aimé Césaire. Entre a poesia e a arte pictórica, criaram uma nova linguagem na qual ecoavam os valores democráticos, então ameaçados na Europa, mas também os valores raciais na base da autodeterminação dos povos. De acordo com o texto de sala, foi “o primeiro artista plástico não branco a ser celebrado dos dois lados do Atlântico.”

Em Lunguanda Yembe, como noutras obras, o artista convoca símbolos da mitologia afro-caribenha, incorporando-os nas suas linguagens cubista e surrealista. Animais, divindades e rituais são elementos frequentes na sua pintura. Nas palavras do próprio Lam: “A minha pintura é um acto de descolonização, não num sentido físico, mas sim mental.”
“Uma deriva atlântica. As artes do século XX” é o título da nova exposição permanente do museu, sob a alçada do Estado há pouco mais de dois anos. A Colecção Berardo continua a ser predominante. Abre-se espaço, no entanto, para outros espólios em depósito, obras convidadas, mas sobretudo para uma nova leitura da produção artística ocidental, ao longo de quase sete décadas do século passado.
“É uma nova abordagem à colecção. Desde o primeiro momento que a ideia foi mostrar a evolução das artes no século XX de uma maneira não tão linear e trabalhando a história da arte dentro da história do mundo”, começa por explicar Nuria Enguita. Juntamente com as suas co-curadoras – Marta Mestre e Mariana Pinto dos Santos, assessora científica do museu –, o trabalho foi o de “remontar” a exposição permanente em 12 núcleos, com um total de 270 obras de 170 artistas. O fio do tempo e da história guia-nos, mas não é a única linha orientadora.

“Há aquilo a que chamamos de desvios, interferências, dissonâncias, que podem ser obras contemporâneas ou deslocadas no tempo, para mostrar que a arte, tal como a vida, não é linear. Há idas e vindas. As relações são mais orgânicas do que isso”, continua Enguita. A viagem começa em 1909 e estende-se até 1977. Os cubistas, dos fundadores Picasso e Braque aos seus grandes difusores Robert Delaunay, Fernand Léger e os irmãos Duchamp, ocupam a primeira sala, juntamente com futuristas, dadaístas e expressionistas, entre eles Amadeo de Souza-Cardoso e Eduardo Viana.
“Para mim também era fundamental trabalhar e integrar a arte portuguesa nos discursos hegemónicos da arte ocidental. Tal como em Espanha, houve uma modernidade, mas essa modernidade não está nos grandes relatórios”, continua. A presença de artistas portugueses é notória. Vemos Lourdes Castro, Ana Hatherly, Helena Almeida, Vieira da Silva, Eduardo Batarda, Almada Negreiros, José de Guimarães, entre muitos outros.

O eixo Paris-Nova Iorque continua a ser imprescindível para seguir os passos dos grandes movimentos artísticos. Contudo, a nova exposição permanente desce ao Atlântico Sul apresentar nomes e corpos de trabalho fora do centrismo euro-americano. Numa “abordagem crítica” de uma colecção que “fala sobretudo do Atlântico Norte”, as três curadoras propõem uma “abordagem mais inventiva e aberta”. “Não estava tão marcado no discurso e agora a ideia é abri-lo a um mundo mais diverso”, acrescenta Nuria Enguita. Um foco renovado em África e na América Latina, através de artistas como Bertina Lopes e Malangatana, Joaquín Torres-García e Hélio Oiticica.
Construtivismo, a arte e as sombras, abstraccionismo, surrealismo, geometria óptica, pop art e a arte como eco (ou combustível) das revoluções. Além da Colecção Berardo, aqui representada em peso, há ainda obras da Colecção de Arte Contemporânea do Estado (CACE), da Colecção Elipse/Homa e da Colecção Teixeira de Freitas – presente sobretudo no penúltimo núcleo, de forte componente documental –, todas elas depositadas no MAC/CCB. A título de empréstimos, chegaram também obras do CAM Gulbenkian, da Colecção da Caixa Geral de Depósitos, da Colecção FLAD, entre outras colecções públicas e privadas.

“É um museu que tem muito potencial. Estamos no século XXI, mas estamos quase a voltar aos anos 30 do século XX de uma forma muito perigosa. Então acho que cada momento tem que fazer a sua própria história, cada geração tem que pensar o seu próprio presente e o presente tem que se pensar com o passado. Daí a importância de trazer tanto contexto histórico para falar sobre arte do século XX – dando sempre prioridade à contemplação estética, mas com textos explicativos, muito precisos, feitos por historiadores de arte muito importantes e que falam dos factos. Eles colocam a arte no seu tempo, que é o nosso tempo também”, remata a directora artística do museu.
“31 Mulheres” – uma exposição dentro da exposição
A deriva oceânica é entrecortada por uma pequena exposição temporária. A meio da sucessão de salas que atravessa uma grande parte do século XX encontramos “31 Mulheres. Uma exposição de Peggy Guggenheim”. Mais do que uma homenagem à coleccionadora norte-americana, é uma referência oportuna à exposição que organizou em 1943, numa galeria de Nova Iorque – “Exhibition by 31 Women”.
Documentos e fotografias de época abrem a exposição, que pode ser visitada até ao final de Junho. Estabelecido o enquadramento e apresentadas as 31 artistas que desafiaram a mentalidade patriarcal que na época vigorava até no meio artístico, a segunda sala revela alguns dos principais temas e estratégias exploradas por estas mulheres, tantas vezes votadas ao circuito das artes decorativas, como explica também Enguita. Cinco pequenos núcleos que permitem perceber o contexto e o trabalho das mulheres artistas que Peggy colocou sob o holofote.

Com a exposição, co-organizada pela Fundación MAPFRE, o museu recebe também um ciclo de conversas composto por três sessões. Acontevem a 15 de Março, a 12 de Abril e a 10 de Maio, entre as 15.00 e as 17.30. A participação é gratuita mediante inscrição prévia e compra de bilhete para o museu.
Praça do Império (Belém). Ter-Dom 10.00-18.30. 7€ (entrada gratuita aos domingos, até às 14.00)
Este é o nosso Império Romano: siga-nos no TikTok
📻 Antigamente é que era bom? Siga-nos no Facebook