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O semblante de quem passa à frente da histórica Cervejaria Trindade e vê a porta aberta a visitantes e comensais, depois de mais de dois anos fechada, espelha surpresa e curiosidade. “Já abriu?”; “Podemos entrar?”. É verdade, já reabriu. Não está igual, porém. O interior do edifício – que antes de ser restaurante e museu era o Convento da Santíssima Trindade, datado de 1294, e mais tarde, em 1836, tornou-se na primeira cervejaria do país – está de cara lavada, assim como a carta, agora assinada pelo chef Alexandre Silva (do LOCO, com uma estrela Michelin).
“Apesar de ser um espaço com quase 200 anos e que teve, ao longo dos anos, várias intervenções, ele estava muito gasto”, começa por dizer Francisco Carvalho Martins, administrador do grupo Portugália, que detém a cervejaria. “Nós tivemos muito tempo, desde 2016, salvo erro, a trabalhar no projecto. Este projecto foi muito sensível porque o espaço tem uma história muito rica e, portanto, uma grande sensibilidade arquitectónica”. A pandemia acabou por travar o início das obras, que só se concretizou há pouco mais de um ano. “Quisemos manter o espaço de cervejaria e tentar ir o mais às origens possível”, explica o administrador.
Quem conheceu a antiga Trindade nota que esta está visivelmente mais harmoniosa. Os tectos falsos, que cobriam as abóbodas do convento, foram descascados; as mesas e as cadeiras reabilitadas; e há agora duas áreas para refeições: o restaurante e a petiscaria. O espaço do claustro também foi recuperado para servir de esplanada. Na sala do antigo refeitório do Convento, agora mais sóbria, permanecem os azulejos, mas com as abóbadas à mostra, um novo chão de madeira clara e um balcão em pedra. O barulho, típico de uma boa cervejaria, continua lá. Já a recatada sala Maria Keil é um absoluto contraste. Os painéis aparecem agora como que emoldurados, o chão em mosaico preto e branco substituiu a madeira escura, e toda a estética está mais elegante. Todos azulejos e painéis foram restaurados.
A grande responsável pela remodelação dos interiores é a arquitecta Ana Costa, que quis despir o espaço, devolvendo-lhe a identidade conventual. “Isto era um convento espectacular e estaria coberto de camadas e já ninguém percebia muito bem o que é que isto era. A grande intervenção é arquitectónica, no sentido de valorizar o próprio espaço do convento. Voltámos a pôr a verdade de um espaço nobre, lindíssimo. Não foi preciso ser muito criativo, foi preciso ser muito fiel”, afirma.
O projecto de arquitectura procurou, então, respeitar o passado mais longínquo do edifício, e o mesmo se pode dizer da nova carta, da autoria de Alexandre Silva, ainda que Domingos Rodas se mantenha na chefia da cozinha. “Contratámos um chef cujo caderno de encargos foi manter a oferta culinária de uma cervejaria, com comida portuguesa, e tentar ir o mais às origens possível”, esclarece Francisco Carvalho Martins. Esta mudança, vista por Alexandre Silva como “uma grande responsabilidade”, não poupou o famoso molho do bife à Trindade. “É uma cozinha confortável, não é preciso pensar muito sobre aquilo que se está a comer”, garante o chef do LOCO e do FOGO. “Aquilo que fizemos foi aportar mais qualidade, no caso dos caldos, do molho do bife. O molho do bife foi trocado”, continua. “Hoje em dia é a cozinha que faz tudo de raiz para que esse molho chegue à nossa mesa e isso também é um orgulho grande."
Nos petiscos, continuam a destacar-se os croquetes (2,20€) – quase tão populares quanto o bife – feitos de chambão de vitela, mas há também uma tábua de charcutaria de porco alentejano (12,50€), com presunto, salpicão e paio de lombo; um mexilhão à Trindade (15€), preparado com espumante e terminado com um fio de nata e óleo de salsa; e um bacalhau lascado e confitado (16,90€), com pedaços de pão torrado com alho, azeite e cebola. Estes pratos estão presentes na carta do restaurante e também na carta da petiscaria. Seguimos para dois pratos exclusivos do restaurante. O brás de bacalhau (17,90€) olha para a receita original do bacalhau à Brás, mas neste caso é confitado em azeite. Depois é lascado, coloca-se o ovo e leva a batata palha por cima, para que permaneça crocante. O polvo assado no carvão (64€/duas pessoas) é acompanhado com batatinha a murro.
Chega, por fim, o bife do lombo à Trindade (25,40€). “Vão perceber que [o molho] é um bocadinho mais escuro do que um antigo, leva algum caldo de carne aqui para lhe dar mais sabor, ser mais agradável e mais saudável também”, descreve Alexandre Silva. Diferente, mas também fiel ao sabor original. Antes de passarmos às sobremesas, provámos ainda a paleta de borrego (59€/duas pessoas), assada no carvão, com batatinhas e legumes – um favorito do chef. “Claro que é impossível vencer o bife. Mas [o prato] diz muito do que era a Trindade, esta cozinha mais autêntica, mais bruta”, diz. “Há muitas coisas feitas já no fogo para aportar também o sabor de antigamente que as pessoas se desabituaram a sentir. E então colocámos o Josper na cozinha para nos dar acabamentos."
A doçaria que encerra a refeição é toda inspirada, como não podia deixar de ser, no receituário conventual. O toucinho do céu (5,80€) do convento de Santa Clara é uma das opções, assim como o arroz-doce queimado com compota de limão (5,90€) e o pudim de cerveja preta (6,80€). A melhor maneira de acompanhar tudo isto é com uma das cervejas artesanais da marca Trindade (4,25€-5,10€).
Rua Nova da Trindade 20 C (Chiado). Dom-Qui 12.00-00.00. Sex-Sáb e vésperas de feriados 12.00-01.00
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