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Implementar uma cozinha sustentável e uma política de desperdício mínimo nos restaurantes é um dos grandes assuntos da gastronomia moderna. Para Bertílio Gomes, chef da Taberna Albricoque, “há que tomar uma decisão”, não basta ser-lhe sensível. O cozinheiro algarvio caminha cada vez mais em direcção a essa visão sobre a alimentação e transformou o desafio lançado pelo Canal História, para reinterpretar a Última Ceia, num exercício de criatividade em que, não só recria o que se comeu nessa última refeição, mas no qual também demonstra que o futuro da alimentação “passa pelo regresso à cozinha de legumes”. O menu estará disponível para entregas e take-away.
Se todos os anos os jornalistas lisboetas se reuniam num almoço no restaurante do chef anfitrião, este ano a apresentação do projecto, cuja nona edição passa no Canal História a 26 de Março, foi diferente. Mesa posta, talheres arrumados. À frente, o computador para assistir à videoconferência que Bertílio viria a conduzir. “Os dois elementos que se tem a certeza de que estiveram na mesa da Última Ceia são o pão e o vinho”, começa por dizer o chef. O vinho de talha, uma técnica que remonta à presença romana, e o pão ázimo são, portanto, companhias ao longo de todo o almoço.
“Legumes, frutas, cereais, são centenas de possibilidades de sabores e de texturas que temos para explorar”. Para esta recriação do que se terá comido no último jantar, Bertílio inspirou-se nos “ingredientes e na forma como as pessoas comiam naquela época”, ainda que a consulta de fontes históricas tenha sido sempre limitada. “Percebi que há muitas parecenças a nível de ingredientes com a nossa gastronomia”. E esse foi o mote para um menu praticamente de base vegetal, em que apenas um prato contém proteína animal.
O tártaro de carapau, já presente na carta da Taberna, é a excepção num menu dominado por leguminosas, legumes e silvestres. Tal como se fazia à altura “e um ensinamento para os dias de hoje”, defende. Tudo foi pensado para comer à mão e de forma descomplicada. O tártaro de carapau é temperado com figos secos e amêndoas ,“dois ingredientes muito referenciados na Bíblia”. Mas também se pode começar por outro tártaro, este de beterraba com grão, uma leguminosa também presente nos textos bíblicos, que se cruza na perfeição com alguma ervas amargas.
Bertílio Gomes acredita que ao olhar-se para trás e entender-se os territórios, a sua agricultura e os produtos gerados, se conseguirá superar “um momento crítico para a sustentabilidade em que é urgente mudarmos de hábitos”. Comer carne ou peixe tornou-se banal, alerta. Há que procurar qualidade quando se faz essas escolhas. Um dos pratos quentes do menu recorre a outra leguminosa. As lentilhas são confeccionadas em cataplana e é-lhes juntado queijo de cabra, tomate confitado e folhas de couve kale.
“O que havia até há pouco tempo era uma cozinha vegetariana sem sabor, sem prazer, coisas insípidas, comida para doentes”, enumera o chef à medida que vai explicando os restantes pratos. A morcela vegetal, outro original da Taberna Albricoque, é não mais do que uma salada de cenoura roxa, típica da região algarvia. Aqui tempera-a com cominhos, azeitona, e até há quem acredite que se trata de uma morcela, brinca o chef.
Ainda que uma mudança seja importante, a restauração trata-se de um negócio. “Por um lado também tem de ser sustentável economicamente. Não podemos ser radicais e mudar de uma vez”, reflecte. Há que ir introduzindo conversando com as pessoas e mudando hábitos, defende. Voltando aos pratos quentes, ainda há espaço para um favas e trigo envoltas em pétalas de cebola assada. Para o final, há um folar da Páscoa transformado em rabanada que acompanha com um sorvete de vinho tinto com especiarias e frutos vermelhos.
O menu de degustação, pensado para dois (40€ sem bebida) fica disponível para entrega ao domicílio e take-away, de 26 de Março a 4 de Abril, na Taberna Albricoque. “A diversidade está nos vegetais, especiarias, aromáticas, silvestres, cogumelos. Isso é que melhora a confecção das carnes e dos peixes. Às vezes, falta a cultura e conhecimento da cozinha com proteína vegetal”, acredita. O programa em que já participaram chefs como Henrique Sá Pessoa, Kiko Martins, Miguel Laffan, Miguel Castro e Silva ou Vítor Sobral, é transmitido dia 26, às 22.10, no Canal História.
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