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O último papel de Gene Hackman no grande ecrã foi em Alce Daí, Senhor Presidente (Welcome to Mooseport, no original), de 2004. Já tivemos tempo para nos adaptarmos à sua ausência. Ainda assim, a notícia da sua morte não deixa de ser dolorosa. Indiscutivelmente o melhor actor de cinema americano do último meio século, o californiano ganhou dois Óscares, mas poderia ter conquistado mais uma dúzia.
Com um charme maroto que nos papéis de vilão lhe dava um ar de lobo e de predador – terá havido melhor némesis de super-heróis do que o seu Lex Luthor com ar de Trump nos filmes do Super-Homem de Richard Donner? – e um carisma que inundava o ecrã, Gene Hackman era uma presença electrizante mesmo nos seus filmes menos importantes. De Os Tenenbaums – Uma Comédia Genial (Royal Tenenbaums, 2001) a A Firma (The Firm, 1993), a sua especialidade era fazer-nos ficar do lado do patife – embora não houvesse muito que não conseguisse fazer. A sua grandeza no ecrã era tal que foram necessárias duas outras estrelas de cinema para apresentar o seu prémio Cecil B. DeMille, de carreira, nos Globos de Ouro de 2003. Aqui estão cinco cenas que mostram os seus poderes.
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“I’m Captain of this boat, now shut the fuck up!” – Crimson Tide (1995)
* “Eu sou o capitão deste navio, agora cala a boca!” – ‘Maré Vermelha’
Hackman foi o derradeiro rebelde em muitos dos seus melhores papéis, desde Os Incorruptíveis Contra a Droga (The French Connection, 1971) a Mississipi em Chamas (Mississippi Burning, 1988). Mas, no thriller nuclear de Tony Scott, um suado filme de câmara disfarçado de sucesso de bilheteira, Hackman entra num jogo de poder com o corajoso 2IC de Denzel Washington, como o comandante de um submarino cujo desejo de seguir as regras pode ou não mascarar uma psicopatia. Como uma panela a ferver, atinge um ponto de viragem nesta cena crucial em que a divertida disputa intelectual dá lugar à fúria e faz com que todo o filme guine numa direcção imprevisível. Só uma explosão de Pacino poderia igualar Hackman em termos de choque e espanto em momentos como este.
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Encontrando o filão em Eureka (1983)
Nem todas as actuações de Hackman têm os aplausos que merecem. A resposta trippy e enigmática de Nicolas Roeg a O Tesouro de Sierra Madre (1948) é uma entrada relativamente pouco vista no currículo do actor, mas vale absolutamente a pena procurar para ver o grande homem em modo maximalista. Aqui, encarna a obsessão febril de um prospector do Yukon dos anos 20, que fica rico e depois descobre o lado negro da sua riqueza recém-descoberta, mostrando o lado “Nic Cage” do seu repertório, enquanto Roeg se cruza com o misterioso visionário que tornou tudo possível.
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“I don’t deserve this… to die like this” – Unforgiven (1992)
* “Eu não mereço isto... morrer assim” – ‘Imperdoável’
Quem mais, além de Hackman, poderia imbuir um malandro como William “Little Bill” Daggett, de Imperdoável, com humanidade suficiente para fazer uma cena de morte tão triste? Com o mínimo de diálogo, o homem da lei, deformado, ensaia toda a gama de emoções de um homem prestes a encontrar o seu criador: medo, aceitação, tristeza e até um rosnado de desafio. Aquele “Eu estava a construir uma casa...”, quando Clint Eastwood arma a sua espingarda, é de alguma forma patético e comovente – uma coda triste para uma vida desobediente que está prestes a ser extinta.
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“Is that gun just for show?” – Mississippi Burning (1988)
* “Essa arma é só para exibir?” – ‘Mississipi em Chamas’
Actor de personagens que sabia como aguardar o seu tempo numa cena, o californiano vestia com naturalidade a pele de alguém ameaçador e taciturno. Aqui no papel do agente do FBI Rupert Anderson, um homem duro baseado num agente federal da vida real chamado John Proctor, senta-se com seis racistas brancos no Mississippi dos anos 60 e faz com que pareça que são eles que estão em menor número. Alan Parker corta a cena como se fosse um confronto de western e Hackman não deixa dúvidas sobre quem está a usar força letal. O último gole de cerveja é o acto de um rei.
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“How does a nice bowl of soup sound to you?” – Young Frankenstein (1974)
* “O que dizes a uma boa tigela de sopa?” – ‘Frankenstein Júnior’
Igualmente um portento cómico, Hackman conseguia fazer uso da ironia melhor do que ninguém (Superman, The Royal Tenenbaums), e a trabalhar a ausência de expressão também lhe era natural. Na paródia de terror de Mel Brook para a Universal, o Monstro de Peter Boyle tropeça na casa de um cego solitário – a casa errada. Hackman, o durão de Hollywood nos anos 70, muda a sua ingenuidade numa cena em que o seu amável recluso liberta acidentalmente uma série de tormentos no seu hóspede.
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