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Cinetoscópio: eles querem mais cinema independente na cidade

Não basta criar cinema independente, é preciso mostrá-lo e há um novo projecto para o fazer. Contamos-lhe sobre os primeiros passos da Cinetoscópio – e antecipamos os próximos.

Joana Moreira
Escrito por
Joana Moreira
Jornalista
Cinetoscópio
Mariana Valle Lima
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Como se chama público para ver filmes? E como se leva as novas gerações, em particular, a preferir o escurinho do cinema às plataformas digitais? Desde Maio que a sala Fernando Lopes, inserida no campus da Universidade Lusófona, leva ao grande ecrã cinema independente com um foco no público jovem e universitário. 

Mas este é apenas o primeiro passo da Cinetoscópio, uma empresa recém-criada em partes iguais pela produtora O Som e a Fúria; a Gambito, participante da Alambique Filmes; e a Risi Film, que gere em Portugal a plataforma Filmin e organiza eventos como a Festa do Cinema Italiano. A estrutura tem na direcção Stefano Savio (Risi Film), Luís Apolinário (Gambito), e Luís Urbano (O Som e a Fúria).

A ideia era "fechar o círculo", explica o trio à Time Out, antes de uma sessão no espaço no Campo Grande. "Ter produção, distribuição, ter Filmin, ter festivais e ter salas de cinema. Achamos que a potencialidade de nos juntarmos está exatamente aí", resume Stefano Savio. “A preocupação comum é que acabamos por sofrer do mesmo mal, que é a quase total ausência de circuito de sala para cinema independente. O país está basicamente reduzido a quatro ecrãs, dois em Lisboa e dois no Porto”, diz Luís Urbano, referindo-se ao Cinema Nimas e Cinema Ideal, na capital, e às duas salas do Cinema Trindade, no Porto. 

É daí que surge a Cinetoscópio, com a missão de “contribuir para alterar um pouco este panorama”. "O projecto Fernando Lopes é uma espécie de primeiro laboratório” para o caminho que desenham para a empresa que tem outras ambições como a programação de espaços próprios, novos ou reabilitados, em Portugal. "Vamos trabalhar em múltiplas vertentes, em fornecer um serviço de programação a espaços que já existam, e que tenham gestão própria, e como é obvio estamos super atentos na identificação de potenciais new venues ou eventualmente reabilitar old stuff”, diz o produtor de filmes como Tabu (2012) ou Cartas da Guerra (2016), que se escuda em avançar locais, garantindo que o primeiro será na zona de Lisboa. “Estamos a fazer um trabalho também político com as governanças municipais e nacionais no sentido de olharem para esta questão e para o cinema como interesse público. Não existe, por exemplo, apoio à instalação de novos projectos de exibição cinematográfica. Estamos a fazer esse caminho", adianta. "É preciso mudar as mentalidades governativas. Já não basta apoiar a manufactura dos filmes", acrescenta Luís Apolinário, da Gambito, que acredita que “Lisboa precisa de um, dois, três, quatro, sete projectos [de exibição cinematográfica] diferentes, que trabalhem com dinâmicas diferentes, com ideias diferentes. Este lado da inércia progressiva da actividade é que é preocupante”. 

Sala Fernando Lopes Universidade Lusófona
Mariana Valle Lima

Inércia é o que menos tem existido para os lados do Campo Grande nos últimos meses, com estreias, ciclos de cinema, encontros e debates. “A exibição de cinema independente em Portugal está a envelhecer muito. A Fernando Lopes é uma tentativa de ver como conseguimos que esta faixa etária, que está muito bem presente nesta área, possa voltar a uma sala de cinema. Quais são as ferramentas, qual é o tipo de programação, o tipo de conteúdos, de comunicação, que eu necessito para conseguir convencer uma geração que já nasce com as plataformas, já nasce com o dowload ilegal, já nasce com as séries televisivas, para voltar a colocar o cinema numa experiência?", questiona Stefano Savio. 

Ainda assim, no retrato dos consumos culturais em Portugal, feito pelo estudo encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) e executado pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS) entre Setembro e Dezembro de 2020, e publicado em Fevereiro, o cinema destaca-se. Nos 12 meses anteriores à pandemia, foram os jovens e os de maior rendimento a entrar nas salas de cinema. “41% da população inquirida foi ao cinema”, revela o estudo, que mostra que a frequência de salas de cinema “é mais forte entre a população jovem, dos 15-24 anos, na qual 82% declaram ter ido ao cinema, contra percentagens mais baixas na população com mais idade”.

Para o primeiro evento, a Cinetoscópio arriscou com uma sessão de O Filme do Bruno Aleixo, apresentada pelos criadores e realizadores João Moreira e Pedro Santo, que incluiu também a exibição de um teaser do próximo filme da dupla, O Natal do Bruno Aleixo. O preço dos bilhetes é de 6,50€ no caso das estreias e de 5€ para ciclos e eventos. “Queremos dar as melhores condições possíveis, mas não podemos compactuar com a ideia cada vez mais generalizada que o cinema é de acesso gratuito. Não é. O Cinema tem um lado industrial, todos nós trabalhamos nisto”, defende Luís Urbano. "Não é por oferecer bilhetes que vamos resolver o problema. Não é esse o caminho", crê, corroborado pelos restantes elementos da direção, que se recusam a comentar o facto de, na mesma exacta sala, às quintas-feiras, o Alvalade Cineclube mostrar, desde Abril, filmes com uma entrada de 2€ (1€ para sócios). "Temos de fazer com que a experiência de ir a uma sala Fernando Lopes ou a outra sala do Cinetoscópio seja uma experiência que vale 6,50€", reforçam. 

E onde fica o cinema português?

"A relação que o Cinetoscópio quer estabelecer com o cinema português é uma relação de proximidade”, diz Luís Apolinário. "Existe uma falta terrível de espaço para o cinema português ser mostrado e ser visto. Mas esse problema só pode ser resolvido com o fortalecimento do sector independente". Ainda em Maio, o festival IndieLisboa ficou marcado por um protesto-performance que chamou a atenção para a dificuldade de novos cineastas mostrarem as suas obras fora dos circuitos dos festivais. Os três membros da direcção concordam: “Temos um excesso de oferta de produção e de filmes para o número de salas que existem e que são os lugares naturais para eles [filmes portugueses] passarem. O que acontece a um filme quando se estreia é que ou apita na primeira semana ou na quarta feira vai se embora”.

Já Savio, da Filmin, revela: "Para nós foi uma surpresa. Não há público para o cinema português? Na Filmin é o mais visto. Ou seja, não é verdade que há uma desafeição do público português para o seu próprio cinema. É só ter onde o ver”. 

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