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Colectivos poéticos. Eles estão a fazer de Lisboa um poema

Na forma de colectivos, movimentos, sessões ou encontros, certo é que a poesia da cidade está a ganhar novas vozes. Há uma nova geração a criar momentos de partilha e amor ao verso.

Joana Moreira
Escrito por
Joana Moreira
Jornalista
Sessão de poesia no Poemacto.
Francisco Romão Pereira Sessão de poesia no Poemacto.
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"A poesia era vista como uma coisa chata, muito erudita, restrita a uma elite intelectual e para mim era uma confusão porque eu não sou nem chata [risos] nem faço parte de uma elite intelectual”, brinca Gabriela Abreu. A jovem de 28 anos, do interior de São Paulo, Brasil, sempre viu a poesia como “próxima, e não nesse lugar distante''. Demorou até que ganhasse coragem de declamar os versos que começou por rasurar num diário e, mais tarde, num blogue. "Passei mal, estava muito nervosa, tremia. O papel fazia barulho na minha mão", recorda à Time Out. Mas foi assim que descobriu o poder da poesia verbalizada. “Percebi que tinha um outro impacto. Em mim e nas pessoas". 

Quando chegou a Portugal, em 2019, plantou-se nela a possibilidade de começar do zero. E a vontade de repetir a experiência floresceu. "Ninguém me conhece aqui. Se eu falar que sou malabarista vão acreditar. Estou a escolher como me apresento." Escolheu apresentar-se como poeta – e não poetisa, como frisa –, e começou a palmilhar os eventos de poesia que existiam na cidade. Em pouco tempo criou o Sarau Delas (@saraudelas), sessões exclusivamente femininas, uma vez que "nós [mulheres] não estamos nos espaços, não somos tão lidas quanto os homens, como artistas", alerta.

Todos os meses, na Fábrica Braço de Prata, em Marvila, duas poetas e uma cantora tomam o palco. "É um movimento de muita liberdade que vai empoderando outras", garante Gabriela, que assume o papel de mestre de cerimónias. No final, o microfone é de quem o quiser enfrentar. "Se é poeta ou não é poeta, vai sentir-se à vontade para ler poesia. Não é um lugar de disputa nem para ver qual é a melhor ou quem fala melhor. É um lugar de encontro”, diz. A entrada nas sessões custa 5€ e as reservas são feitas pelo Instagram.  

Sarau Delas
Mariana Valle LimaGabriela Abreu, do Sarau Delas

“Toda a cidade é poesia”

Berço e casa de muitos poetas, para Solange Pacífico não é difícil perceber como é que Lisboa deu mote a tantos versos de nomes maiores da poesia portuguesa. “É uma cidade muito especial, cheia de inspiração em todos os cantos. Toda a cidade é poesia", diz a jovem do Pinhal Novo e fundadora do Poemacto (@_poemacto_), uma comunidade cultural que “começou como um movimento, mas que depois se transformou numa casa lar”. “Intitulamo-nos como uma casa aberta à poesia emergente, um lar onde a solidão é partilha”, esclarece Solange, que reconhece o surgimento de novos colectivos poéticos nos últimos anos. "Não só em Lisboa, já se começa a perceber também no resto do país. Partiu de não existirem espaços seguros, por assim dizer. Havia a concepção errónea que não havia pessoas novas que escrevessem poesia. Eu própria antes de criar o Poemacto achava que estava sozinha”, admite.

E porque a palavra espalha-se – tendo como alavanca as redes sociais – as sessões do Poemacto desde o seu nascimento que esgotam rapidamente. Jovens poetas e também músicos que estão a dar os primeiros passos juntam-se no Camones, na Graça, uma vez por mês (a saber: 28 de Julho e 8 de Setembro). O espectador paga um valor simbólico (3€) que reverte para os artistas e para a equipa do Poemacto. "A cultura em Portugal, especialmente a poesia, é bastante precária, então apelamos ao sentido de valorização", defende a organizadora, reconhecendo que trabalha para um nicho. "Em termos editoriais, de venda de livros, a poesia nunca foi um campo muito rentável nas editoras, desde sempre”, assume.

Ainda assim, já leva uma experiência no currículo. Em 2021, durante o confinamento, juntou poetas que conheceu através do Poemacto para criar uma antologia poética ilustrada, chamada Bicho Mudo Viro Bicho. "Cada poeta trazia um poema sobre o que estava a sentir naquele momento em que a pandemia estava mais forte. É um livro com muitas perspectivas”, sumariza. O Poemacto, que começa sempre com um poema conjunto, lido por várias pessoas, quer ser esse espaço agregador, seja em páginas físicas seja em eventos colectivos com outros projectos poéticos. Por isso não é incomum o cruzamento de sessões com outras comunidades. 

"Apesar de existirem vários eventos de poesia em Lisboa, todos têm a sua individualidade. Quando se casam e se juntam trazem famílias diferentes. É muito bonita essa troca”, diz Acílio Gala, 26, que, não muito longe dali, no Tejolense Atlético Clube, organiza noites de poesia uma vez por mês. O lugar pode parecer inusitado, mas a Poesia Vadia (@p.o.e.s.i.a.v.a.d.i.a) ocupa-o desde Fevereiro. “Não é um evento, é um movimento. É um espaço de partilha, de cura e de escuta", classifica. "É curioso ver que as pessoas que estão lá a partilhar um sofrimento que muitas vezes é pessoal percebem que existem outras pessoas que estão naquela posição e que conseguem conectar-se com a pessoa que lá está a partilhar", relata o jovem. Há leituras e música, sempre de artistas emergentes e com trabalhos autorais, e uma ambição assumida de “mostrar que a poesia é de todos". 

Com 10 minutos por intervenção, o evento culmina também no típico microfone aberto, sempre concorrido. "Já aconteceu ter de dizer 'pessoal, eu sei que mais gente queria participar, mas o espaço vai fechar’ [risos]", conta Acílio. "As pessoas não vão só partilhar poesia, mas a poesia reflecte e transparece sentimentos muito íntimos e profundos de quem está a falar. Há essa tal partilha de sentimentos, esse espaço de cura, de amor, de empatia. estamos a partilhar algo que faz muito parte de nós”, remata. 

Ana Cláudia Santos
Joana CésarAna Cláudia Santos num dos eventos Lua

Foi inebriada pelo sonho de fazer parte de movimentos poéticos, de ler a sua poesia pela cidade, que Ana Cláudia Santos, 26, saiu de Benavente em direcção a Lisboa. "Mas isso não aconteceu porque tive algumas dificuldades de adaptação”, confessa à Time Out. “Não conhecia as pessoas. Ia aos eventos de poesia, mas não me conseguia integrar bem. Era nova e não sentia que fazia parte". Querendo afastar-se do registo de tertúlia e do ambiente boémio, decidiu criar algo à sua imagem e daí resultaram os Lua (@lua.eventos.poesia), “eventos de poesia num ambiente místico”.

A luz azul e as plantas fazem parte do que a jovem define como a sua “estética”, que replica a cada sessão mensal no Zénite Bar Galeria, em Arroios. Convida dois ou três jovens para ler poesia, às vezes lê o que escreve, e, no final, o público é também instigado a participar. "Há de tudo, há pessoas que apresentam coisas super calmas, há pessoas que só lêem três versos, querem só partilhar qualquer coisa que acabaram de escrever, há quem apresente poemas super complexos, há pessoas que fazem um show enorme. Nunca sabes o que vai acontecer”, descreve.

Tem sido assim que, desde 2017, tem descoberto outras vozes emergentes da poesia, como Dênis Rubra. “A apresentação dos poemas dele foi incrível, nem consigo explicar o que aconteceu. Ele passou para poema a sensação que é fazer scroll nas redes sociais. Repetiu muitas vezes o mesmo conjunto de poemas e as pessoas do público até começaram a questionar a própria realidade. Será que estou a ter algum glitch em que está tudo a repetir continuamente?" Um exemplo da liberdade poética que Ana encara como caminho para a auto-expressão. Para que serve afinal a poesia? Para começar, crê, "é a única forma de expressão em que eu me sinto realmente livre”. 

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