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Qual é a probabilidade de um casal de ucranianos a viver em Lisboa apaixonar-se pela gastronomia grega durante uma viagem a Nova Iorque? Pouco importa, que não nos sentamos a esta mesa para puxar da calculadora – nem o ambiente, agitado, alegre, o propicia. O que importa é que tenha acontecido. Mais importante, talvez, é que tenha acontecido com Hanna e Misha Lytvynenko. Estes são os orgulhosos donos de dois espaços na cidade dedicados à nobre arte do pequeno-almoço e do brunch, o Heim, em Santos, e o Seagull Method Cafe, no Príncipe Real. Ou seja, são gente dada a transformar encantos de cozinha em portas abertas para a rua e pratos apetecíveis. E foi exactamente o que voltaram a fazer com o novo Kefi, ocupando um sítio na Calçada da Estrela que já tinha sido livraria e restaurante.
O Kefi é um sucesso, para não dizer um fenómeno. Abriu no final de Setembro e tem estado sempre cheio. Hanna e Misha tentaram um soft opening, para irem avançando devagar, para terem tempo de completar a equipa e para formar quem vão contratando. Para os clientes, no entanto, a expressão inglesa mais parece grego: ignoram-na como se não lhe soubessem o significado. “Não esperávamos ter casa cheia todos os dias desde o primeiro dia”, confidencia-nos Hanna. “Muitos jornalistas já nos contactaram, mas a Time Out é a primeira revista com que estou a falar [sobre o Kefi]. Porque ainda estamos a tentar organizar tudo para estarmos completamente prontos.” Como é que isto aconteceu, então? “Instagram”, ri-se Hanna. Portanto, caro leitor, quando lá for e encontrar a casa cheia, escusa de nos apontar o dedo. Não fomos nós. Foram… bom, foram vossas excelências.
O espaço é convidativo: os janelões, a oliveira para lá da porta de ferro, os tons terrosos do mobiliário, a decoração minimalista, as paredes escavadas, o pé alto, a canalização à mostra, o tecto com tinta de areia branca, as vigas de madeira naquele azul helénico... Ah, sim: nesta esquina, Portugal volta a ser a Grécia. Desta feita, sem agências de notação financeira ao barulho, sem ameaças nem comentários à porta do Eurogrupo. Há uma unanimidade favorável. “Toda a gente nos diz que estava à espera que abrisse um espaço grego em Lisboa”, diz Hanna, durante um almoço de sexta-feira em que as cerca de 20 mesas (interiores) estiveram quase sempre cheias. Aliás, houve duas rodadas de mesas.
O serviço é feito tanto em português como em inglês. O ambiente é descontraído e propositadamente ruidoso. “Gostamos de ter um ambiente barulhento, tal como na Grécia. Quando nos pedem para baixar o volume da música, pedimos desculpa, mas dizemos que não”, adianta Hanna, enquanto a playlist passa da música grega para um samba açucarado. “Kefi significa felicidade, boa disposição. Não é suposto ser um restaurante tranquilo.” Na verdade, nem sequer é suposto ser um restaurante. “Não gostamos muito da palavra restaurante. Não queremos que seja demasiado formal. Preferimos café-bistro para todos os dias.” E à noite? As luzes diminuem, a música sobe, a dança pode acontecer.
O horário é das 8.30 às 23.00, sem dia de descanso. “O Heim e o Seagull são mais para brunches e pequenos-almoços. Aqui, trabalhamos todo o dia”, reforça Hanna. “Servimos pequenos-almoços, almoços e jantares.” A ideia de abrir este bistro grego tem dois anos. Surgiu na tal viagem aos EUA. “Tivemos uma experiência maravilhosa num restaurante grego de Nova Iorque. Depois, viajámos muito para a Grécia. E apaixonámo-nos completamente pela comida mediterrânica e grega. A vibe, a atmosfera, o serviço.” Nesse vai-e-vem, experimentaram, absorveram e aprenderam os segredos da gastronomia helénica. “O meu marido, Misha, é chef e ele foi quem fez o menu para os nossos outros dois espaços. Ele quis aprender tudo sobre a cozinha grega. Sempre que íamos à Grécia, ele entrava em contacto com chefs locais e pedia-lhes que lhe ensinassem a preparar pratos tradicionais. Depois, fazia-os com algumas diferenças, para estarem ao seu gosto.”
No Kefi, a comida grega tradicional incorpora portanto a “visão da comida” dos Lytvynenko. E como é que escolheram os pratos que figuram na ementa? “É o que nós gostamos. Fazemos o mesmo que no Heim e no Seagull. O menu é o que gostaríamos de comer todos os dias, ou o que costumamos fazer em casa.” Hanna admite que haja quem não goste de comida tão condimentada como a que se serve por aqui, embora o assomo de clientela não lhe dê razões para duvidar daquilo que estão a fazer. E o que estão a fazer é providenciar uma experiência tão aproximada quanto possível de algo que está a mais de 4000 quilómetros de distância. “70% dos nossos produtos são gregos”, garante Hanna. “Vinhos, bebidas espirituosas, queijos, especiarias, ervas. Queríamos fazer comida que soubesse mesmo a comida grega, para que quem viaje até à Grécia possa encontrar estes sabores.”
A ideia aqui é partilhar a comida. “Costumamos aconselhar que se peçam quatro a cinco pratos por mesa [de duas pessoas].” Hanna exemplifica e põe-nos à frente, para uma prova que se estenderá por um par de horas, descontraidamente, uma de muitas combinações possíveis. Primeiro, um patê: tzatziki (5,50€), feito com iogurte tradicional grego, pepino, endro fresco, hortelã, alho, limão e azeite; acompanha com pão pita (1,50€). Depois, uma salada grega (8,90€), com tomates, queijo feta com ervas, cebola verde, pepino, alcaparras e pita. Para os pratos principais, gemista (8,90€), isto é, tomates recheados com arroz e legumes; e frango souvlaki (12€), que é servido com pita, abacate e espargos grelhados, patê com feta picante e batatas fritas. Tudo regado a Mythos (3€), uma cerveja grega produzida por uma empresa do grupo Carlsberg (a carta inclui uma outra, a Fix, uma marca centenária, que custa mais 20 cêntimos a garrafa), e a Retsina Kechribari (15€ por uma garrafa de meio litro), um vinho branco resinado com uma tradição milenar na Grécia. A sobremesa é um portento: loukoumades com gelado e pistácios (6,50€). Loukoumades são uma doce muito popular no Médio Oriente, umas esferas envoltas em mel ou xarope de açúcar, canela, e fritas em óleo abundante. Abundante é também o número destas gulosas esferas que são servidas no Kefi. Fecha com dois cafezinhos (1,20€ cada). Somando as parcelas (afinal, sempre sucumbimos à matemática), a conta ficaria nos 62,5€ para duas pessoas. Embora duvidemos que faltasse comida na mesa se se desse o caso de a factura ser para partir por três.
Há outras propostas na carta que não experimentámos, mas com as quais ficámos curiosos: o souvlaki, por exemplo, que são espetadas grelhadas e se consomem na Grécia como fast food, tem versões de porco (12,50€), salmão (13€) e polvo (13€), além da de frango; as almôndegas gregas, ou keftedes (9,90€); a moussaka (10€); o queijo feta no forno (7,90€), com possibilidade de picante; ou o queijo saganaki com mel e sementes de sésamo (8€). Muitas razões para voltar. Hanna congratula-se com os convidados satisfeitos e, no final, deixa fugir o mesmo sorriso cúmplice com que nos tinha presenteado a meio da refeição, quando se sentou atrás de nós, pendurada nas costas da cadeira, para confirmar que tudo estava a correr como tinha a certeza que estaria.
Hanna e Misha estão em Lisboa há cerca de seis anos, vindos de Kiev. “Foi a melhor decisão que tomámos”, garante ela, que sonhava viver perto do oceano. Há seis anos, Portugal já não era a Grécia. E quem é dado a geografias políticas não deixará de achar uma certa graça que um bistro grego se tenha implantado tão perto do Palacete de São Bento. Mais divertido ficará se dobrar a esquina, para a Rua da Bela Vista à Lapa, e descobrir que o Kefi tem um turco por vizinho. Lisboa é um tratado.
Calçada da Estrela 187. Seg-Dom 8.30-23.00. 926 416 814
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