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Arcade Fire, Smashing Pumpkins, Parcels. Dua Lipa, Aurora, Michael Kiwanuka. Pearl Jam, The Breeders, Khruangbin. Se tivéssemos de reduzir o NOS Alive deste ano a um punhado de nomes, era assim que o faríamos. Do primeiro para o último dia, num festival que, segundo a organização, e embora só no sábado não houvesse bilhetes à venda para o próprio dia, registou 165 mil entradas (cumprindo a meta). Mas as vedetas do festival foram, verdadeira e inegavelmente, apenas duas: Dua Lipa e Pearl Jam. O Passeio Marítimo de Algés encheu para as ver e elas – as vedetas – entregaram o que se lhes pedia: concertos que vão perdurar muito e muito tempo na memória de quem lá estava. Não é de somenos.
Estávamos ainda a meio desta contabilidade emocional e arquivística, e já a Everything Is New ia adiantando serviço. A promotora anunciou, pela voz do director, Álvaro Covões, as datas para a 17.ª edição do NOS Alive: 10, 11 e 12 de Julho de 2025. Com a promessa de sempre, isto é, o “melhor cartaz” entre todos os festivais nacionais. O presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, também reincidiu na promessa de alargar o recinto, tal como fez no balanço do festival em 2023 e como fez em Maio, numa conferência de imprensa do outro lado da linha de comboio, no Palácio Anjos (a muito prometida passagem pedonal sobre a ferrovia também está por fazer e não estará concluída a tempo do evento em 2025; o autarca estima que esteja pronta “no final do próximo ano”). A ideia é “ganhar hectares ao rio”, segundo disse o autarca, e permitir uma lotação superior a 55 mil pessoas por dia.
Não seria certamente o “wishing well” sobre o qual estavam a cantar as Breeders no palco principal, um pouco depois desse anúncio. Até porque Kelley Deal e a sua famosa irmã gémea, Kim Deal, estavam ali mais pelo passado do que pelo futuro – e muito bem. Encontravam-se a celebrar os 30 anos de Last Splash, disco que continua a ser o seu magnum opus, e foi nessa cápsula do tempo que mantiveram a audiência (com espaço para um ou outro desvio, incluindo “Gigantic”, canção da antiga banda de Kim, os Pixies). Os Sum 41 viriam a ocupar aquele espaço nessa noite, com mais gente, maior entusiasmo, mas ostensivamente mais anacrónicos apesar de mais jovens. Nada que se tivesse sentido na actuação das Breeders, tão-pouco na dos cabeças-de-cartaz deste terceiro dia, os Pearl Jam, que apresentaram uma setlist em que um terço dos temas pertencia a Ten (1990).
Para um dos momentos do festival, Eddie Vedder, sozinho, foi ainda mais atrás – e tocou “Imagine”, numa altura em que a tentativa de assassinato de Donald Trump já varria as notícias (o que parece ter sido uma coincidência, visto estar prevista no alinhamento). Mas a canção pacifista de John Lennon foi entoada como um hino contemporâneo (ou seria uma reza?), como se tivesse sido escrita no dia anterior. “Imagine” nunca tinha sido tocada pelos Pearl Jam nesta digressão europeia, mas não foi a única estreia que a banda reservou para essa noite. A outra veio do longo repertório de clássicos da banda: “Animal”. O povo agradeceu e cantou. Nunca parou de cantar: “Daughter”, “Jeremy”, “Even Flow”, “Once”, “Black” ou, claro, o tema-título do festival, “Alive”. Pouco antes, no Palco Heineken, perante Khruangbin, o povo só agradeceu, mas também estava bem vivo. O esfuziante e colorido virtuosismo do trio texano (o nome significa avião, em tailandês) deixou marca e não faltou quem repetisse com eles (como um mantra?, como uma provocação?) “Still alive/ still alive/ still alive” em “People Everywhere”.
Não foi o único concerto digno de nota neste palco. Houve os regressados Parcels; houve Black Pumas; houve Michael Kiwanuka; houve Gloria Groove; e sobretudo houve Aurora, grande fenómeno deste ano na “tenda”. A cantora e compositora norueguesa que faz pop da folk foi recebida como se estivesse a regressar a casa de uma longa viagem. Os limites do palco a rebentar pelas costuras, o público em pontas para tentar ver um nadinha a mais, os músicos a trocarem olhares entre eles, e entre eles e Aurora, ainda incrédulos com o que estava a acontecer na plateia (um pouco como aconteceu com Jorge Palma no ano anterior, mas com muito, muito mais gente). Vamos certamente voltar a tê-la por cá – e, pelo que se viu em Algés, é melhor garantir o bilhete cedo para não chorar mais tarde.
Arlo Parks não conseguiu impor-se da mesma forma no Palco NOS. Aí a noite seria de Dua Lipa, com um espectáculo milimetricamente pensado para não parecer milimetricamente pensado, para ser uma festa, para ser acolhedor e convidativo e especial para dezenas de milhares de pessoas em simultâneo. O que foi conseguido em toda a linha. A estreia da artista anglo-albanesa no festival foi um inapelável sucesso. A multidão saiu do recinto satisfeita com o segundo dia do NOS Alive.
O mesmo se pode dizer do primeiro, que teve Benjamin Clementine a testar (com bons resultados) um formato menos intimista para os seus espectáculos; que teve Smashing Pumpkins a servir menos ATUM do que se esperaria e a deixar os fãs de barriga cheia com muito Mellon Collie and the Infinite Sadness, algum Siamese Dream e um cheirinho de Adore (um tema), embora nada de Gish (triste); e que teve Arcade Fire em modo greatest hits, num frenesim que é só deles e de mais ninguém, a celebrar os 20 anos de Funeral (2004) – que foi como os descobrimos na saudosa edição de 2005 de Paredes de Coura, quando foram uma luminosa revelação, catártica, divina até, e seria impensável, depois disso, adivinhar que haveríamos de os ver com uma carregada nuvem sobre a cabeça, devido às acusações de que Will Butler foi alvo, em 2022, por comportamento sexual impróprio. O vocalista diz terem sido "erros" de percurso, mas consensuais; a mulher, a multi-instrumentista Régine Chassagne, que também faz parte dos Arcade Fire, alinhou pelo mesmo diapasão. No entanto, como se sabe, a dúvida corrói tudo, mesmo o melhor dos alinhamentos e das performances.