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O Go Juu começou como um clube de sushi para saudosos de Takashi Yoshitake e do seu Aya, restaurante de que é orgulhoso herdeiro no menu e na escola. Mas, em dias fracos, deixavam os ignaros que não haviam sido tocados pelos niguiris do mestre lá ir respigar o chutoro, eventualmente num lugar ao balcão à terça-feira, afortunadamente numa desistência ao fim-de-semana.
Fui lá algumas vezes, mesmo não sendo membro do clube – e ainda que tenha comido no Aya (ah, injustiça!). À frente do balcão estava – e está – o chef Fagner Buzinhani, com quem conversava sobre a época do ouriço e a maturação do atum. Fagner era de uma sabedoria serena, ao contrário de certos sócios, pseudo-especialistas em fine dining e em baboseiras de gourmet novo-rico que fariam Yoshitake bolsar.
À parte a parvoíce do pseudo-clube, tudo o resto era maravilhoso no Go Juu. Comi lá sempre bem, sempre peixe fresquíssimo, sushi clássico sem atalhos, peixe pescado com anzol por mãos de bordadeira. De topo, igualmente, a cozinha de quentes, tradicional e diversificada.
Lisboa não terá melhor, ainda hoje, se descontarmos sítios com preços acima de 60 euros por cabeça. Mas, pronto, havia o clube e isso aborrecia-me. Havia o clube e por causa disso não ia lá há algum tempo.
Até que bateu de novo aquele desejo por peixe cru. Comecei a sonhar com fatias de dourada, rosáceas de pregado e arroz glutinoso. Era preciso fazer alguma coisa. A questão colocou-se: voltar ou não voltar?
Voltar. De resto, o suposto clubismo estaria semi-desactivado. Ou assim julgava eu.
Desta feita, não recorri a um serviço de entregas, como costumo fazer. Ao telefone, convenceram-me que seria preferível ir buscar a comida ao restaurante – e eu assim fiz. Pelas 19.57, três minutos antes da hora, com uma chuva copiosa e sem telheiro, aguardei a minha vez para pegar a encomenda. Estavam duas pessoas à frente. Entretanto chegou um terceiro homem, já depois de mim. Foi então que o inusitado aconteceu.
O terceiro homem começou a chegar-se à entrada do Go Juu, tentando ganhar posição. Eu de um lado da porta, ele do outro. Quando a segunda pessoa saiu, o terceiro homem meteu-se sem pudor. Atenção: não era a fila para os correios serpenteando pela calçada; eram duas pessoas à frente dele, num raio de 100 metros nem vivalma. Mas ainda assim ele meteu-se. A chefe de sala do Go Juu atendeu-o sem hesitar. Perante o meu protesto, pediu desculpa. Isso não a impediu de continuar a atendê-lo. O terceiro homem, por sua vez, justificou-se alegando que eu não me aproximei. Deveria tê-lo placado como um pilar dos All Blacks? Deveria ter aberto os braços como um defesa da NBA?
Alguém trouxe rapidamente o saco da encomenda ao terceiro homem e a chef de sala, funcionária antiga e experiente, passou-o nervosa. O terceiro homem tinha o cartão multibanco na mão, mas a chef de sala não o quis. Disse ao terceiro homem que podia ir, não precisava de pagar. O estafeta da Volup, que também aguardava a vez, riu-se do patético da situação e do pateta esgueirando-se entre os pingos da chuva com os seus rolinhos de sushi na mão, a barriga aos trambolhões até ao SUV.
Eis os sócios. Eis a nobreza do clube, versão take-away.
A chefe de sala do Go Juu pediu desculpa e voltou a pedir. Mas não havia como evitar o desaire. A refeição estava estragada. Nada que ver com o peixe – impecável. Nem com o embalamento – uns furos abaixo da concorrência. Nem com a soja Kikkoman – salgadíssima. Nem com o pão de ló de chá verde – fresco e guloso. É só que os restaurantes, mesmo em crise, mesmo em modo take-away, são sítios onde queremos ser bem tratados, tratados como iguais. É só que a vida, tal como ela era, foi suspensa, mas a democracia ainda não.
Yoshitake não ficaria orgulhoso.
Rua Marquês de Sá da Bandeira, 46 A (Praça de Espanha), Lisboa. gojuu.pt. 21 828 0704/ 93 329 8148. Seg-Dom 12.30-14.30/ 19.30-22.00. Recolha à porta do Gojuu ou entregas em casa. Preço: 25€-40€