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Comefinamento: Tasquinha do Lagarto

Todas as semanas, durante o confinamento, experimentamos um serviço de take-away ou entrega ao domicílio.

José Margarido
Escrito por
José Margarido
Crítico Comer&Beber
Tasquinha do Lagarto
Ana Luzia
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Os diminutivos são uma das grandes invenções portuguesas. Servem-nos para tudo e para o seu contrário – sobretudo à mesa. Um diminutivo é capaz de domesticar uma contrariedade (“vai demorar um bocadinho”), almofadar uma má notícia (“aqui tem a continha”), ou até prevenir queimaduras de segundo grau (“ainda está um bocadinho quente”). A guarnição de um sufixozinho tem também o dom de subverter qualquer noção de escala e fazer uma alarvidade passar por uma délicatesse. Teria uns 15 anos quando pela primeira vez li um texto do Miguel Esteves Cardoso a teorizar sobre a prodigiosa relação entre tachos e sufixos. Explicava ele que “um ‘arrozinho’ deixa de ser um ‘mero arroz’ só quando a capacidade da panela, e o corpo de baile de lagostins, ultrapassa a lotação média do São Luiz”.

Reencontro-me com esse texto, “Almoço”, folheando As 100 Melhores Crónicas (livrinho de 364 páginas), no exacto dia em que encomendo o jantar na Tasquinha do Lagarto. Sorrio da coincidência que me veio dar uma ajudinha para arrancar a prosa. E depois penso que há três décadas que o cânone de MEC ajuda gerações inteiras a escrever, incluindo muita gente que nem se dá conta disso.

Tasquinha do Lagarto
DR



Tasquinha é, em si, um belo exemplar de diminutivo. Em tempo de paz, o sufixo acomoda uma sala de 90 lugares sempre ao barrote e faz as honras da casa: sim, tem qualquer coisa de tasca, na cozinha de tradição popular e nos decibéis do convívio, mas os guardanapos são de pano (amorosos, com um lagartinho bordado). De resto, a Tasquinha diz-se do Lagarto por razões óbvias (a última vez que ali almocei, o Paulinho, roupeiro do Sporting, almoçava ao lado) e as origens estão no Minho, terra de mesa farta que já traz um diminutivo embutido no nome.

É terça-feira, dia de feijão com arroz. Acompanha pataniscas (altas e fofas, capazes de convencer até um fervoroso adepto das finas e estaladiças, como eu) ou entrecosto no forno. Ligo às 19.15 para encomendar uma dose de cada e recebo gratuitamente um diminutivo para amortecer a queda das expectativas: “Temos só um probleminha...” As últimas doses, lamentam, "saíram há bocadinho”. Cheguei tarde, portanto, e nunca saberei se por uma nesga ou por duas horas.

Peço dois minutinhos para rever a ementa publicada no Facebook e concentro-me nas especialidades da casa, categoria que alberga tudo o que não seja prato do dia. Então vai ser cabrito à Tasquinha (10€), atum de cebolada (9,5€) e lombinho de porco grelhado (8€). Informam que “vai demorar um bocadinho… só lá para as 20.30“ e que já me mandam “a continha” por mensagem. Posso pagar por MB Way, transferência bancária ou em dinheiro. Recebo a SMS num instantinho e despacho a coisa por MB Way.

São 20.12 quando a campainha toca. A encomenda chega com um pedido de desculpa: por engano, cobraram a mais sem que eu me desse conta, mas trazem a demasia. Dez pontos e ainda nem abri o saco.

Tasquinha do Lagarto
DR



Lá dentro vem tudo arrumadinho em caixinhas de alumínio que arrefecem a minha euforia gourmand, mas mantêm tudo razoavelmente morno. As batatas fritas, que escoltam o atum e o lombo, sobrevivem por um triz e chegam ainda com vida. Mas fica dado o alerta.

O atum é de estirpe aceitável e de pouca cebolada. Chega ligeiramente esmorecido, já com saudades da frigideira, mas arrebita um pouco assim que o transladamos da urna de alumínio para uma louça. É peixe que sabe a peixe e lasca como é sua obrigação, sem grandes invenções de tempero (sente-se o louro, desconfia-se de cravinho), a cebola húmida mas firme. Aprovado.

O lombinho de porco não se mostra tão resiliente. A responsabilidade, reconheço, é minha, que já devia saber que nunca é boa ideia marcar encontro tão longe da grelha. A carne é tenríssima, no ponto de lume e no tempero de alho, mas sente-se já o cansaço da viagem no pobre bicho. E há poucas coisas que arrefeçam tão mal como o perfume do carvão.

É o cabrito que dá um pulo na refeição. A carne é de uma macieza ternurenta e sente- -se que o tempo fez parte do tempero. Faz-se acompanhar de uma comitiva tradicional: belíssimo o arroz feito com os miúdos do chibo, óptima a batata assada no forno com a carne, boa a couve galega desfiada ao estilo de caldo verde e depois salteada, que traz o necessário amargor ao conjunto (embora eu prefira sempre uns bons grelos).

Concluo que a Tasquinha do Lagarto se esforçou por trazer até minha porta a boa cozinha de Campolide. E fez tudo bem feitinho, apesar de mim. Tivesse eu tido o bom senso de manter as escolhas entre as boas comidas de forno e de tacho que se fazem na casa, e toda a experiência teria sido supimpa. Sexta que vem há arrozinho de garoupa.

O menu está no Facebook, as encomendas fazem-se pelo número 21 388 3202, as entregas vão até um raio de 5 km. Seg-Sáb 11.30-21.00. Taxa de entrega: 2€

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