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Como é a escola do futuro? É que “esta a ninguém serve”

O novo espectáculo da companhia Formiga Atómica transforma a escola num ringue. Saímos de lá com ganas de reivindicar tempos melhores para a educação.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
Má Educação - Peça em 3 Rounds
© Estelle ValenteMá Educação - Peça em 3 Rounds
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Quem ensina o quê a quem? Quem prepara quem e para que futuro? Quem aceita retirar-se para dar lugar a outro que chega? Estas são apenas três das muitas perguntas para as quais o novo espectáculo da companhia Formiga Atómica nos convida a encontrar respostas. Em palco, uma bailarina, uma actriz e uma criança, de três gerações diferentes, entram em jogo e em disputa. A acompanhá-las, uma tradutora de linguagem gestual, que desta vez não está condicionada à periferia da cena, e uma pianista, que actua como uma espécie de árbitro deste jogo-conflito. Com encenação de Miguel Fragata e dramaturgia de Inês Barahona, Má Educação – Peça em 3 Rounds não só reflecte a tensão entre alunos e professores como questiona a escola que existe e reivindica a que desejamos. A estreia para famílias está marcada para sexta-feira, 16 de Dezembro, no São Luiz Teatro Municipal.

“A nossa pesquisa [a partir da qual nasce o espectáculo] levou-nos a perceber e a concluir coisas que já tínhamos pressentido na nossa experiência de trabalho em contexto escolar, nomeadamente a ideia de que esta escola a ninguém serve, por diversos motivos, e que, ao mesmo tempo, também não promove um pensamento sobre si própria”, diz-nos Inês, que confessa ter evitado o discurso habitual e sobretudo o vocabulário que se usa quando se fala em educação. “Precisamos de cunhar palavras novas para poder pensar coisas novas”, alerta, antes de passar a palavra ao encenador. “Fomos a escolas com registos e métodos muito distintos propôr um exercício padronizado, para promover uma reflexão sobre a escola ideal, e percebemos que os alunos estavam – e estão – muito agarrados à escola que conhecem. É-lhes mesmo muito difícil imaginar para além do que já existe.”

O que existe é, como se retrata em cena, uma escola que entende os alunos como corpos sem alma, marionetas prontas a ser manipuladas, num lugar sem espaço para diálogo ou questionamento. O “capital de queixa”, expressão usada pela companhia, é potencialmente infinito. Não estamos a falar só do que acontece dentro da sala de aula, neste caso com crianças dos 4.º e 5.º anos de escolas públicas e privadas, com quem Inês e Miguel tiveram oportunidade de conversar em oficinas com a duração de uma manhã ou de uma tarde. Em parceria com os co-produtores de Má Educação (o Teatro Municipal do Porto, A Oficina do Centro Cultural Vila Flor e o São Luiz), também foi possível organizar encontros com auxiliares, cozinheiros, motoristas de autocarros escolares e investigadores na área da educação. Pelo meio, a pandemia aconteceu e, entre tantas mudanças forçadas, também a escola mudou. Foi preciso reinventar o ensino e a relação dos professores com os alunos e o conhecimento. Mas não o suficiente.

Uma escola que é um ringue

No início da peça para maiores de seis anos, a actriz Carla Galvão conta-nos uma lenda de origem chinesa, chamada Hyoku, sobre um pássaro mítico só com uma asa, que precisa da ajuda de um outro para voar, mas que, até o perceber, condena as suas crias à morte, ao empurrá-las sozinhas para fora do ninho. Apesar da companhia Formiga Atómica defender não haver uma lógica doutrinária, a mensagem parece-nos clara: é urgente pensar na forma como educamos as gerações futuras. “Temos uma das legislações mais disponíveis da Europa para ser, enfim, manuseada. Mas há gerações e gerações de pessoas agarradas a uma escola com 200 anos”, lamenta Miguel, que está ciente também de como a forma de fazer em contexto escolar contamina a forma de fazer em casa. “[Para essa segunda reflexão], temos em palco a [nossa filha] Vitória, que traz para nós, enquanto artistas e enquanto pais, essa dimensão da educação que se faz em família. E que, de certa forma, demonstra como o peso secular da escola está em tudo.”

É contra esse peso esmagador que se combate em palco. Combinando teatro e dança, com coreografia de Victor Hugo Pontes, o ringue de boxe (que vai aparecendo e desaparecendo) é usado como ponto de encontro entre mestre e discípulo – e, à medida que a conversa avança, torna-se cada vez mais claro que, por um lado, como disse o pedagogo Sérgio Niza, “mestre é qualidade que apenas os outros nos podem atribuir”; e, por outro, agora nas palavras do filósofo Michel Serres, “todos os saberes [o dos mestres e o dos discípulos] são livres e iguais de direitos”. “Esta ideia de combate tem a ver sobretudo com esta dicotomia entre professor e aluno, o momento em que o aluno é dominado pelo professor, o momento em que o aluno ultrapassa o professor e, finalmente, o lugar ideal onde os dois vivem em harmonia e se complementam”, esclarece o encenador. Mas, afinal, como é que seria a escola ideal?

“A escola como ela aparece é um mecanismo de instrução e direcção – de opressão, eu acrescentaria – e isso está presente no nosso primeiro round, com um vocabulário de contradição, manipulação e perpetuação de uma espécie de menorização do sujeito. E esse discurso replica-se exactamente da mesma maneira na geração seguinte. Neste sentido, diria que pensar numa escola ideal é pensar uma ideia, ou seja, nunca se pensa a escola, pensa-se na ideia da escola, despojando-a de tudo aquilo que tem esse caruncho de muitos séculos. Claro que é muito difícil falar dessa escola ideal. Mas, se calhar, a escola ideal pensa-se não pensando na escola”, provoca Inês. Miguel remata: “A escola ideal é a escola do futuro imaginada no presente, o que a torna sempre um lugar impossível, porque quando lá chegarmos já está outra vez démodé, fora de prazo. E falamos de prazo porque os alunos de hoje não vão ter direito a usufruir dela.” Quanto aos de amanhã, essa é outra história. Quem sabe se, porventura, com um final feliz.

São Luiz Teatro Municipal (Lisboa). 16-17 Dez, Sex 20.00, Sáb 15.00/ 20.00. 5€-7€

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