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No ano em que se comemoram 50 anos de 25 de Abril e, consequentemente, 50 anos de liberdade, o Museu de Lisboa | Teatro Romano desenhou uma exposição a que chamou "Dez histórias de liberdade – de escravo a liberto em época romana". O objectivo foi escolher, de entre as várias que os arqueólogos conseguiram reconstituir pelas fontes que possuem, dez histórias de escravos libertos, de forma a tornar as suas vidas compreensíveis para os lisboetas actuais.
Como teve oportunidade de alertar mais do que uma vez a arqueóloga e directora do museu, Lídia Fernandes, na inauguração, a 9 de Maio, estes casos não retratam a realidade vivida pela maior parte das pessoas em condição de servidão no Império Romano, que podiam viver em condições bastante degradantes. Um exemplo disso é dado no piso térreo do Teatro Romano por uma reprodução em tamanho real de uma exígua divisão de casa em Pompeia, de 3,40 x 3,50 metros, que era armazém e simultaneamente tinha três pequenas camas e servia de casa a três escravos. Outra coisa que realça é o facto de estes escravos libertos terem uma situação económica que lhes permitiu deixar lápides – que não seria o caso da maioria.
Feito este esclarecimento, é preciso fazer um outro: o conceito de escravo no Império Romano é diferente do de outras épocas históricas posteriores, pelo que o termo mais correcto a usar será "servidão". Assim, por exemplo, um escravo podia ter escravos. Podia exercer uma profissão e ser remunerado. E, tendo dinheiro, podia comprar a sua liberdade e tornar-se um liberto. Como liberto estava-lhe vedada boa parte dos cargos públicos, mas podia ter propriedade e vários escravos. Na direcção oposta, um homem livre podia tornar-se escravo, por ter dívidas incomportáveis, que não conseguia saldar. Vendia-se a si próprio. Crianças abandonadas eram também tornadas escravas.
A primeira história que nos é apresentada na exposição é a de Caio Heio Primo, um escravo que consegue a sua liberdade e se torna sacerdote do culto imperial. Rico, mas impedido de ter cargos públicos, financia a remodelação da zona central do edifício do teatro e deixa o seu nome inscrito sobre as entradas laterais. A este Caio surge ligado um outro, seu escravo, Caio Heio Noto, que foi enviado para estudar Medicina em Mérida, a capital da província romana Lusitânia. Ficamos também a saber que há registo de 12 médicos (um dos quais uma mulher) na Lusitânia. Outro dos casos expostos é o de Cornélia, um caso duplamente raro de uma escrava actriz – é raro, uma vez que os papéis de mulher eram representados por homens, e ainda mais raro por ser uma escrava.
Para lá dos dez expositores dedicados a cada um dos escravos, mostrando e explicando os objectos que lhe estão ligados, e como se conseguiu reconstituir a sua história, há ainda expositores sobre alguns tópicos relevantes, como a percentagem estimada de escravos no século I em Roma (talvez 30 a 40%) e na Lusitânia (talvez 10 a 20%); como é que as pessoas se tornavam escravas (neste período na Lusitânia não se encontram testemunhos de escravos prisioneiros de guerra, as pessoas já nasciam escravas); um stand sobre cosmética de cabelos, uma das especializações das mulheres escravas; e, por fim, ocupando toda uma parede, estão as inscrições das lápides de 16 escravos e libertos que viveram no território sob dependência da Felicitas Julia Olisipo num expositor em columbário que podemos abrir para ficar a saber a tradução e o seu significado.
Museu de Lisboa | Teatro Romano. Rua de São Mamede, 3 A. Ter-Dom 10.00-18.00. Até 8 Set. 3€