[title]
Grupos artísticos de Almada contestam a ocupação da Casa da Juventude de Cacilhas pela companhia de dança de Paulo Ribeiro.
Há discórdia no Ponto de Encontro, em Almada. Em causa está a criação da Casa da Dança, um projecto da Companhia Paulo Ribeiro centrado na dança contemporânea, que será instalado na Casa da Juventude de Cacilhas. O anúncio público da cedência de espaço municipal inquietou várias companhias de teatro e outras associações artísticas da cidade que, nas últimas três décadas, têm ocupado o espaço popularmente conhecido como Ponto de Encontro, com ensaios, espectáculos e workshops.
O medo tem fundamentos. Apesar de, na última Assembleia Municipal, a vereadora Teodolinda Silveira afirmar que “a Casa da Dança é um conceito, não é uma casa”, o Protocolo de Colaboração celebrado entre a Câmara Municipal de Almada e a Companhia Paulo Ribeiro garante a “cedência da utilização, a título gratuito do espaço denominado Ponto de Encontro”. E nenhuma alínea assegura a co-habitação com as restantes associações que têm actividade nas três salas da casa da juventude em Cacilhas.
Contactada pela Time Out, a autarquia afasta qualquer ideia de despejo: “Inicialmente, o projecto Casa da Dança irá utilizar o espaço numa vertente meramente administrativa”, ocupando apenas uma sala. No futuro, adianta-se, “o uso das outras duas salas” para “ensaios e acolhimentos de companhias internacionais” será feito “em consonância com a programação normal”. “A continuidade da actividade desses grupos será acautelada, havendo pequenas necessidades de ajustamentos pontuais”, afiança a Câmara de Almada, através do gabinete de comunicação.
Promessa que não mitiga os receios dos munícipes. “Quem vai fazer a gestão destes espaços no âmbito desta coexistência? A Câmara não diz como é que esta gestão vai ser feita, quem tem prioridade, se todos os grupos vão ser tratados da mesma maneira”, explica Sara Castanheira, actriz que faz parte das Produções Acidentais e do The Musicals, que têm ensaiado os seus espectáculos no Ponto de Encontro. Na última Assembleia Municipal, Sara questionou a autarquia sobre alternativas de espaços que possam receber as actividades das associações artísticas, “dado que as duas Casas da Juventude já eram escassas para as necessidades de todos os grupos que acolhem”.
São cerca de dez os projectos – amadores e profissionais – ligados ao teatro, à dança e à música que ocupam regularmente o Ponto de Encontro. O Grito, Actos Urbanos, Plateias D'arte, Assim Ser, The Musicals, Bang Bang e Produções Acidentais são alguns dos que estão dependentes do espaço para continuar o seu trabalho artístico. “Mas para além dos ensaios, o espaço é utilizado para formação, para workshops, alguns que se prolongam durante o ano todo, e que são dirigidos a estratos sócio-culturais e etários muito diversificados, mais especificamente para a juventude. Não é um trabalho apenas para os nossos próprios elementos”, explica José Vaz, um dos directores d’O Grito, uma companhia de teatro que, desde 2002, tem desenvolvido a maior parte da sua actividade nas Casas de Juventude de Almada. Há aulas aulas de capoeira e de dança, ensaios de bandas de música da cidade, artistas plásticos a ocupar as caves como ateliers.
“Aquilo está sempre cheio de pessoas”, conta a Sara Castanheira – “Aliás, na última reunião de mobilização [organizada num grupo de Facebook em defesa do Ponto de Encontro], tivemos de ir para as caves, porque todas as três salas estavam lotadas com actividades.”
De Casa da Juventude a silo automóvel
Apesar da polémica, tudo isto é temporário. Segundo o Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, no local do actual Ponto de Encontro prevê-se a construção de um silo automóvel. Há um ano a presidente da Câmara, a socialista Inês de Medeiros, disse que a Casa da Juventude teria de “ser demolida” porque se encontrava “na beira da arriba e em grande perigo de segurança”. “Mesmo sem o Plano Pormenor do Ginjal este edifício teria de ser intervencionado. Dito isto, o promotor compromete-se a construir uma nova casa da juventude, acima do previsto silo de carros”, foi assegurado na Assembleia Municipal de Almada.
Sendo assim, porque é que o Ponto de Encontro foi o local escolhido para instalar a Casa da Dança? A autarquia responde que “a cedência do espaço resulta de estarem cumpridas diversas condições”: “Desde logo, era necessário, simultaneamente, a possibilidade de realização de trabalho administrativo e de trabalho artístico, acrescendo ainda a proximidade à rede de transportes e à mobilidade de e para Lisboa.” Acrescenta ainda que neste momento não se encontra prevista qualquer data para a demolição.
O coreógrafo Paulo Ribeiro – que já foi director do Teatro Viriato, do Ballet Gulbenkian e da Companhia Nacional de Bailado – receberá 120 mil euros para a concretização, dinamização e programação da Casa da Dança, cujo plano estratégico deverá ser apresentado neste ano. Com este financiamento, terá de “fazer duas actuações com produções próprias”, “apresentar duas coproduções com companhias congéneres, nacionais ou internacionais”, “promover parcerias com agentes culturais” e “intercâmbios internacionais”.
A Companhia Paulo Ribeiro, residente no Teatro Viriato, em Viseu, é também apoiada pela DGArtes em 488 mil euros (valor atribuído entre 2018 e 2021). Com a instalação da Casa da Dança em Almada, a cidade vai passar a conter duas grandes estruturas ligadas à área, sendo que a Companhia de Dança de Almada foi também apoiada em 365 mil euros pelo mesmo organismo.
A Time Out tentou contactar a Companhia Paulo Ribeiro, mas não obteve resposta às questões colocadas.