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Coolectivos: eles andam a agitar o panorama gastronómico da cidade

Mexem com Lisboa, que aprendeu a respeitá-los. Não têm filtros, nem estão com merdas. Sabem ao que vão, mesmo que nem sempre pareça. Cozinham como poucos, festejam como ninguém e provocam em nós a vontade de não ficar de fora.

Cláudia Lima Carvalho
Editora de Comer & Beber, Time Out Lisboa
Colectivo, New Kids on The Block, NKOTB
©Gabriell VieiraNew Kids on The Block
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A música está alta, para que todos na zona a possam ouvir. Sentem-se os beats e não é um número de exibicionismo, antes uma forma de estar. Uma atitude relaxada, de bem com a vida, que esconde um trabalho brutal por trás. A Musa da Bica, ali ao lado do elevador, foi o local escolhido para a conversa e não é por acaso. A casa de Leonor Godinho nos últimos anos foi o palco de Pedro Abril e Tiago de Lima Cruz no último mês e meio. Uma troca habitual entre estes cozinheiros que cedo perceberam que juntos poderiam enriquecer as mesas, independentemente de cada um poder ter o seu próprio negócio. Parece confuso, mas é claro para todos os que formam o colectivo New Kids On The Block (NKOTB), bem como para quem que segue o seu trabalho.

“Começámos numa onda de fazer eventos, juntar a parte da música e da festa, e nunca pensámos fazer um colectivo”, diz Pedro Abril. “Quisemos juntar o útil ao agradável, divertirmo-nos enquanto amigos. Depois é que começámos a ver que se calhar não só nós podemos ter uma vertente mais focada no que acreditamos ser a cozinha, como também podemos fazer algum dinheiro, e trazer pessoas que não estariam tão expostas se não fossem a certos eventos”, acrescenta Leonor Godinho.

Quem os acompanha sabe que é verdade. O foco dos NKOTB, que além do trio conta com Pedro Monteiro (Fábrica da Musa), Bernardo Agrela (Povo), José Paulo Rocha (O Velho Eurico), Ana Leão (Colher Torta) e Octávio Delmonte (Musa), é a comida, mas a música nunca fica atrás. Há um carimbo de irreverência em tudo o que fazem, do prato à forma de servir, sem nunca desprezar o caminho que percorreram. Quase todos passaram pela alta-cozinha, têm a técnica, as regras e o saber. “Mas no fim já não servimos da mesma maneira”, atira Abril.

Já fizeram jantares a várias mãos, pequenos-almoços de campeões, arraiais e a festa de aniversário de O Velho Eurico, que garantem nunca mais repetir tal foi a algazarra. Um ano depois de tudo ter começado, dão hoje tantas negas como respostas afirmativas a convites. Aonde quer que vão, esgotam. E não é só a sede de voltar à vida que a pandemia provocou. “As pessoas sabem que vêm a um evento nosso, gastam 30€ e comem bem, bebem bem e ficam com uma experiência de que não se esquecem”, explica Abril. O grupo não tem dúvidas de que a cidade ganha com eles uma dinâmica que não tinha. “Estamos a criar uma identidade de Lisboa.”

E os negócios de cada um acabam por beneficiar deste ambiente. “É quase uma estratégia de marketing, só não é porque é uma coisa natural”, diz Godinho. Pedro Abril: “Nós percebemos que o facto de nos termos juntado fez-nos passar melhor esta fase da pandemia do que quem se isolou e quis fazer tudo à sua maneira”.

Colectivo Coral
Gabriell Vieira

Uma verdade que se materializa, do outro lado da cidade, na Rua Angelina Vidal, onde três negócios de Lisboa – o Valsa, o Café Mortara e a Artesanalis – deram lugar ao Colectivo Coral, num espaço que está de portas abertas há pouco mais de três meses. “Isto começou por necessidade”, conta Vítor Mortara. “Já tínhamos essa relação de proximidade muito grande e começámos a conversar sobre nos juntarmos.” Se inicialmente a divisão de custos para suportar os negócios era o mais importante, depressa a conversa evoluiu. “A gente foi-se entendendo como um colectivo e não como um espaço que contém três negócios.”

Aqui tanto se comem as pastas artesanais que deram fama ao Café Mortara, como as pizzas que Thiago Rocha começou a fazer no Valsa, cuja programação continua agora nesta casa – sempre acompanhadas de uma grande variedade de cerveja artesanal.

Do colectivo fazem ainda parte Nika, Marina Ginde, Letícia Mendes, Martha Varella e Pedro Mendes. “Acho que o mais legal dessa experiência é que a Coral virou mais do que a soma dos três negócios, saiu uma coisa maior”, afirma, orgulhoso, Thiago, frisando que aqui se vive uma “experiência não concorrencial” que, aliás, diz sentir um pouco por toda a cidade entre os pequenos negócios. “Os grandes, quando passam por um período difícil, têm uma margem para se manter. Nós, não. Estamos o tempo inteiro com a corda no pescoço.” O resultado? “Juntos conseguimos que os nossos negócios crescessem e melhorassem.”

Who The Fuck is Henry
Manuel Manso

Para Vítor, os colectivos que têm aparecido na cidade partilham uma importante mensagem de união e inclusão, onde ninguém é deixado para trás. Veja-se o caso do colectivo Who The Fuck is Henry, que no ano passado nos pôs a todos a perguntar ao Google quem raio seria o Henry que estava a deixar marcas pela cidade. Este tempo todo depois, o mistério continua, mas o colectivo já se apresenta de forma mais solidificada, com ligação à arte urbana, à gastronomia e ao entretenimento. Como? Juntando várias pessoas que estão a mexer com Lisboa. No caso da gastronomia, o grupo conta com Rishav (Aura Dim Sum Lab), Dede (Café Dede’s), Shay (Queimado, Static), Tordj (Mamma Mia dinner e Bbq Bombarda) e Ricardo (Estação de Santos) – nomes sem apelidos, tal como Henry. “Basicamente tens um gajo que é o Henry, que é um amigo nosso, que vive em Lisboa há já algum tempo, e que no meio da pandemia decidiu juntar os amigos para fazer coisas acontecer”, revela Tordj, ao lado de Ricardo na Estação de Santos, o projecto que dá vida ao colectivo. Um pequeno café na estação de comboios, que Henry encontrou de forma aleatória na internet, restringindo-se ao filtro “mais barato”. “Ele nunca mete as mãos na operação, mas chama os amigos para tratar das coisas que encontra. Só juntamos as pessoas para fazer acontecer. Isto é um produto bem concreto do que fazemos.” Aqui, Ricardo, que tinha aberto o Vizza New Age Pizzabar, na Praça das Flores, faz pizzas, mas há sempre mais a acontecer. Nem sempre em frente aos nossos olhos. Funciona tudo com base no passa-a-palavra, onde não passa ninguém sem a aprovação do colectivo. Só assim se mantém a mística.

Em breve, o grupo vai abrir uma loja de conveniência no Beato, mas obviamente não será apenas isso. Algures lá dentro estará uma porta para um mundo onde se promete juntar pessoas à volta da comida e da música – é sempre este o propósito. “Gostamos de nos desafiar, acreditamos muito que cada um de nós tem uma mais-valia para acrescentar ao colectivo, para acrescentar à cidade, isso é o ADN do projecto.”

Para Ricardo, não basta criar visibilidade, é preciso criar dinâmicas. “Há regras, mas gostamos de andar na linha fina do que é legal”, explica Tordj. “Sem extrapolar muito, temos bom senso, não queremos ser vistos como uma marca negativa.” No que à comida diz respeito, não há competição entre negócios, uns puxam pelos outros e no meio de tudo ainda criam projectos em conjunto.

Colectivo, CoCasa
©Mariana Valle LimaCoCasa

É a história do século XXI a ser reescrita, defende Jackson Irwin, da CoCasa, o espaço colaborativo que nasceu perto do Miradouro de Santa Catarina. “Não podemos seguir sozinhos. Se queres chegar rápido, vai sozinho. Mas se queres chegar longe, vai em grupo”, diz o australiano, para quem a CoCasa “é um projecto de todos, um espaço onde as pessoas podem chegar e florescer”. Começou por ser apresentado como um cowork de dia e uma espécie de restaurante à noite, onde a programação cultural e o menu mudam diariamente. Mas Jackson garante que a CoCasa é um colectivo. “Não somos um restaurante, um café ou um bar, nem somos bem um cowork, isto são quatro veículos para unir as pessoas. E podemos acabar a fazer exposições, eventos, criar um espaço cultural.” Os pop ups gastronómicos que foram animando as noites ganharam asas, mas não são neste momento um modelo de negócio que interesse à CoCasa, que agora aposta num modelo de cozinha aberta. Foi o que aconteceu com Rosanna Pycraft, que encontrou neste espaço uma oportunidade para se aventurar na cozinha. Aqui as coisas acontecem assim, de forma muito fluida, sem regras apertadas. Talvez por isso Jackson consiga já identificar “uma onda de talentos aqui incubados”. “Sempre foi um objectivo acrescentar valor também à comunidade”, diz. “Não é um que se eleva, são todos. Acho isso maravilhoso. Há um ano estava aborrecido, agora tenho tantas pessoas com quem falar. E pensamos: o que vamos fazer a seguir?”

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