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Cristina Ataíde vai dar corpo ao vazio no Museu Berardo

Nos últimos 30 anos, Cristina Ataíde viajou entre a escultura, o desenho, a fotografia e o vídeo. Vimos-lhe o passaporte a tempo da nova exposição no Museu Berardo.

Escrito por
Maria Monteiro
(Im)permanências (2003), Cristina Ataíde
DR(Im)permanências (2003), Cristina Ataíde
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Descreve-se como viajante compulsiva, mas não precisa de sair do quarto para dar vida a essa faceta. Para Cristina Ataíde (n. 1951, Viseu), viajar não tem a ver com a deslocação ou distância, mas com o olhar e a atenção que depositamos no nosso entorno, independentemente dos passos que damos. “O importante é aquilo que estou a ver e a percorrer, porque está sempre tudo a modificar-se”, explica a artista plástica, cujo trabalho germina em boa parte da curiosidade e fascínio pelo outro e da observação e aprendizagem de novas ideias, tradições e culturas. “A minha viagem é sempre uma viagem de descoberta”, afirma.

Em mais de 30 anos de carreira, não tem feito outra coisa. No sentido convencional, a bordo de um avião e de um ponto do mapa para outro, mas sobretudo no infinito de possibilidades do seu ateliê. Começou pela escultura, área em que se formou e que lhe conferiu notoriedade na cena da arte contemporânea portuguesa – desenvolveu, inclusive, várias obras públicas para espaços como a Mata do Fontelo, em Viseu, ou o Parque de Escultura Contemporânea de Vila Nova da Barquinha –, mas ao longo do tempo derivou para meios como desenho, instalação, fotografia e vídeo para se expressar.

“Dar corpo ao vazio”, que inaugura a 26 de Novembro (quinta-feira) no Museu Colecção Berardo, em Lisboa, e ali fica até 14 de Março, convida-nos a embarcar numa viagem temporal e espacial pelos vários períodos e suportes de produção artística de Cristina Ataíde. “Os outros suportes funcionam como um prolongamento [da escultura]”, clarifica a artista, que destaca o desenho como “algo de muito compulsivo e visceral” que frequentemente “vai para o espaço e adquire volume em formas escultóricas”.

Apesar da abrangência que promete, esta exposição não se apresenta como uma retrospectiva nem um olhar sequencial ou cronológico. Em vez disso, é uma leitura transversal com base em três tópicos recorrentes no trabalho das últimas décadas: a relação do indivíduo com o meio, a conexão da viagem com o conhecimento e o confronto entre o espírito e a matéria. “Estes assuntos interligam os vários anos de trabalho [da artista] e vão-se repetindo e reinventando”, comenta Sérgio Fazenda Rodrigues, curador.

Montanha Suspensa, Cristina Ataíde
Paulo CintraMontanha Suspensa, Cristina Ataíde


Todos eles são sustentados por uma pulsão de “preencher o espaço, seja em que material for”, observa Cristina Ataíde. Essa ideia está, desde logo, presente no título da exposição, mas o “vazio” referido aproxima-se mais do “vazio interior das filosofias orientais” do que do vazio espacial. “É aquela ideia de que é preciso esvaziar [do que temos dentro] o que não queremos para encher com aquilo que queremos”.

Muitas vezes essa procura interior leva-a a banhar-se em natureza, presença assídua na sua vida e obra. São várias as peças que evidenciam uma apurada consciência ecologista, como é o caso de Montanhas Leves (2014), escultura em papel que resultou de uma introspecção sobre como poderia tornar a sua produção artística mais amiga do ambiente. “Achei que o papel era talvez a substância menos agressiva”, revela sobre o gesto que, simultaneamente, pretendeu “alertar os outros para estas problemáticas”.

A narrativa de “Dar corpo ao vazio” é, de certa forma, um percurso por diferentes espaços naturais que nasce da relação entre as obras dispostas em cinco salas. “Os primeiros trabalhos aludem à montanha, um lugar alto, denso e compacto, e à medida que vamos andando, passamos a um lugar mais baixo e diluído, com [a evocação de elementos como] a árvore, o rio ou o pó”, descreve Sérgio Fazenda Rodrigues.

A progressão pela teia relacional de obras é acompanhada de uma “desmaterialização que vai alterando a percepção dos visitantes” não só de cima para baixo, mas de fora para dentro. Um bom exemplo é (Im)permanências (2003), instalação em destaque na quarta sala do recorrido e que mostra um barco suspenso a cerca de um metro do chão, simbolizando ao mesmo tempo “a deslocação exterior sobre as águas e o movimento interior do espírito”, segundo o texto de apresentação.

Este não é um barco qualquer, já que foi inspirado num outro que Cristina Ataíde viu na Índia. Queria trazê-lo, mas não conseguiu, por isso recriou-o com a mesma configuração e proporção e interveio nele com um pigmento para lhe mudar a cor. Além de ser resultado, novamente, de uma viagem, reflecte a constante “procura de novas maneiras de dar a ver e a experienciar [os temas] sem se fixar numa única forma”, problematiza o curador.

A selecção de trabalhos mostrada inclui obras já existentes, a primeira de 1994, outras adaptadas para responder a esta proposta curatorial e, ainda, inéditos como as fotografias de grande dimensão que ocupam a última sala, produzidas recentemente. Individual e colectivamente, as peças tornam claro que a prática artística de Cristina Ataíde não se faz de águas paradas, mas de uma sucessão de navegações entre o seu mundo e outros.

Museu Colecção Berardo. Praça do Império (Belém). Seg-Sex 10.00-19.00, Sáb-Dom 10.00-13.00. 5€

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