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Taffy Brodesser-Akner escreveu a melhor crónica de um concerto da “Eras Tour” de Taylor Swift em Outubro do ano passado, na revista de The New York Times. Mais próximo do jornalismo de viagens do que da crítica musical, devia ser uma leitura obrigatória para quem se interessa por escrita e por música. Ao contrário de quase todas as peças ou críticas ou reportagens – ou lá o que lhes quiserem chamar – que, desde Março de 2023, têm sido escritas sobre esta digressão, o artigo mostrava algo que os milhões de vídeos partilhados nas redes sociais e o documentário oficial lançado no Disney+ não mostram. Respeito.
Na noite de sexta-feira, depois de um DJ set na Musa de Marvila, com a química cerebral alterada, este que vos escreve achou que podia fazer algo do género. Porém, entre a noitada, a ressaca, a bênção das fitas da sobrinha e a vida, percebeu-se cedo que ia ser impossível. O plano era despejar só mais um artigo certinho na internet, como mil outros – um texto algures entre o porreiro e o mediano. Para isso, valia mais estar quieto. As playlists estão online e são conhecidas; o concerto está todo documentado no TikTok; já há demasiadas reflexões portuguesas na internet. Não vou desperdiçar o nosso tempo.
Mas há coisas que merecem ser escritas e lidas. Sobre o concerto, sobre a vida, sobre o trabalho. Por exemplo: os jornalistas, aqui (porque somos jornalistas, e sempre seremos, por muito que custe à CCPJ) e noutros meios, abusam da palavra evento. Tudo é um evento? Um par de concertos com mais artistas em palco do que civis na plateia? É um “evento”. Um festival programado sem critério nem cuidado, onde música, cinema, pinturas foleiras e fantoches coexistem? Claro que é um “evento”. Um mercadinho de fim-de-semana? Oh se é um “evento”. É como aquele meme da Oprah, tudo é um “evento”. Um “evento” para ti, um “evento” para ele, um “evento” para todos. Qualquer porcaria pode ser um “evento”. Sobretudo quando os sinónimos não abundam. E é pena que a palavra tenha sido tão prostituída, porque o concerto de Taylor Swift no Estádio do Sport Lisboa e Benfica, este sábado e provavelmente na sexta-feira, foi mesmo um evento. Sem aspas, com todo o peso que a palavra carrega.
São 21.50. Um agente da polícia com mais de 50 anos e barba de três dias está a filmar a “My Tears Ricochet” no telemóvel. Na horizontal, quais stories, qual quê. Até ele percebe que isto é especial. A voz é perfeita, a mulher não falha uma nota. Afirmação polémica: nunca houve uma estrela pop melhor – houve centenas de músicos e músicas melhores, porém. Sorry/not sorry. O pessoal que odeia estrelas pop porque “não tocam, fazem playback, não escrevem as músicas, etc., etc.” devia gostar de Taylor Swift. Mas não. Odeiam-na na mesma. Porque eles não odeiam a pop nem as suas estrelas. Só odeiam mulheres. Muito a sério: se ela fosse um gajo era o Bruce Springsteen. Só que melhor. Mas nunca oiço nenhum desses homenzinhos dizer mal do Springsteen. Nunca, misóginos.
Nos melhores momentos, sobretudo nos discos antigos, ela consegue fazer dos seus tropeções e vergonhas – traumas, talvez – algo universal. Até um gajo como este, que nunca foi a um jogo de desporto escolar, consegue rever-se numa dica como “she’s cheer captain and i’m on the bleachers”. Porque, ya, há gente que teve uma vida fácil, e não passou por isso. (Essas pessoas não ouvem a Taylor Swift, esqueçam este texto.) A maioria, no entanto, não é “a gaja que achava que ia ser, com 13 anos, no quarto” – ups, isto era outro concerto deste sábado, grande Maria Reis. E não é um caso isolado. Tanto que, quando canta a “We Are Never Ever Getting Back Together”, alguém escreve “devo fazer um live para aquele cabrão agora?” no nosso grupo do WhatApp. Curiosidade: também tinha pensado “vou fazer uma story para ela cuscar com a conta falsa, lol”. É universal, repita-se. Toda gente tem esta ou este ex. Não?
Não vamos assistir a outro concerto como este tão depressa em Portugal. Veremos vários melhores e muitos – tantos! – piores. Mas nenhum como este. A maior estrela pop do mundo (ainda) em estado de graça e pico de forma; um orçamento maior do que muitos filmes e qualquer outro espectáculo que tenha sido encenado neste país; um público heterogéneo e absolutamente rendido e armado. Tudo certo.