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Crónica: Na nave-mãe, com Roberto Carlos

No primeiro de quatro concertos em Portugal, o “rei” da música romântica foi calorosamente recebido por um público que estava conquistado à partida.

Hugo Torres
Escrito por
Hugo Torres
Director-adjunto, Time Out Portugal
Roberto Carlos na Meo Arena, 2024
DR
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Preço de divulgação: 150 escudos. O Roberto Carlos de 1976, um dos muitos discos homónimos do “rei” brasileiro, ainda ostenta na capa o autocolante com quase meio século. Provavelmente estaria a bom preço para a altura. Roberto Carlos vestido de branco, flor vermelha na lapela, olhar sedutor, a cantar “Os seus botões”. Salvo o chapéu de palha, podia ter sido ontem, na Meo Arena, no primeiro de quatro espectáculos em Portugal.

Os discos de Roberto Carlos que tenho em casa (herdados) foram editados entre 1972 e 1989. É uma mini-colecção face à prolífica discografia do cantor e está guardada, como deve, entre o Julio Iglesias e o Elvis. E é uma cápsula do tempo que, se aberta, não transporta apenas as gerações de ouvintes originais, agora nos 60, 70, 80 anos; transporta as seguintes, os filhos, quem sabe os netos, para lugares da memória em que o amor não era o do romance de que versam as canções, mas o da infância, desinteressado e total.

Em Lisboa, numa sala quase cheia, talvez estivessem em maioria os casais de cabelos brancos – uns alinhadíssimos dentro das suas gabardines Burberry, outros a rockar os velhos casacos de cabedal –, mas não faltavam grupos de amigas nem famílias inteiras e todos, dos mais novos aos mais velhos, sabiam responder ao desafio que Roberto Carlos ia lançando uma e outra vez à plateia: que cantasse. Ora, logo abrir, com “Como vai você”, “Além do horizonte”, “Desabafo”; ora com a portuguesa “Coimbra” (sublinhada a traço grosso por um desenho de luz verde e vermelho); ora, mais à frente, com sucessos incontornáveis como “Nossa Senhora”, “Calhambeque”, “As Baleias”, “Mulher de 40”, “Jesus Cristo”.

Mas o momento mais bonito da noite foi “Lady Laura”. Não tanto pela performance de Roberto Carlos (e da sua pequena mas exemplar orquestra, conduzida pelo maestro Eduardo Lages), nem pela dedicatória e pela declaração de amor crescente que o cantor fez à sua mãe, que dá nome ao tema e morreu em 2010, aos 96 anos. Não foi pela saudade. Foi pelo presente. Pela sucessão de abraços que se estenderam pela plateia, de mães e filhas, mães que foram com as filhas, filhas que levaram as mães, as mães a levitar concerto afora (aposto que uma ou outra estava naquele pavilhão pela primeira vez), as filhas a levar com aquele tratado sobre a impiedade do tempo: “Quantas vezes me sinto perdido/ No meio da noite/ Com problemas e angústias/ Que só gente grande é que tem// Me afagando os cabelos/ Você certamente diria:/ Amanhã de manhã/ Você vai se sair muito bem”. Por um momento, fez-se um intervalo nas stories, nos lives, e a alegria tomou conta de tudo. (“E através da mãe o filho pensa que nenhuma morte é possível”, diria o Herberto.)

Essa felicidade, quando surge, esconde todas as costuras. Os anacronismos, as debilidades naturais de um cantor de 83 anos, a aparente tentativa de quebrar o recorde do Guinness para a mais prolongada entrega de flores, uma a uma, a fechar o espectáculo, depois da dispensável “Eu ofereço flores” (ritual que durou mais de um quarto de hora). Essa felicidade, quando surge, é para ser festejada sem sobranceria. Como as mães, que não fazem cerimónia para abrir os braços. E é para aproveitar enquanto dura: esta sexta-feira, 4 de Outubro, Roberto Carlos volta a subir ao palco da Meo Arena; no domingo, 6, e na segunda-feira, 7, actua no Fórum Braga.

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