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“Cheguei a um ponto que já não quero ir a lado nenhum. Normalmente evito sair para ir a eventos culturais porque sozinho não consigo ir (...). Só a previsão dos entraves que costumam acontecer (e são para mim uma fonte de stress e ansiedade inimaginável) já é o suficiente para me demover da tentativa de participação na maioria dos eventos.” Este é um dos muitos testemunhos (anónimos) incluídos no estudo Acessibilidade na Cultura: Experiências de Pessoas com Deficiência e Surdas, feito a partir de 237 questionários realizados ao longo de 2023 a pessoas com deficiência motora, visual, auditiva e surdas. A par da avaliação qualitativa, o estudo, desenvolvido pelo Obi.media – Observatório de Inovação nos Media da Universidade Nova de Lisboa para o Access Lab, revelou que 63% das pessoas experienciaram "dificuldades" de diferentes tipos e que 23% tiveram "uma experiência extremamente negativa, ao ponto de não quererem regressar". A falta de comunicação, a desinformação — "alegarem que existem condições e depois não existem ou são deficitárias" — e os "obstáculos à fruição estética" foram algumas das razões apontadas.
Numa análise mais detalhada à acessibilidade de eventos culturais, 32% das pessoas questionadas relataram problemas quanto "à existência (ou localização) de lugares destinados a pessoas com deficiência", 27% queixaram-se do estacionamento, 24% do acesso às instalações sanitárias, 28% das informações orientadas para a acessibilidade e 24% da experiência de aquisição de bilhetes. Ao mesmo tempo, quanto ao último evento em que participaram, 85% afirmaram ter sentido dificuldades em encontrar filas de bar prioritárias e a mesma percentagem deparou-se com obstáculos no acesso à programação. Ainda assim, 46% qualificaram a experiência de ir a um espectáculo, exposição ou cinema como "boa" e 30% como "média". "Escolho média, pois adoro fazer estas actividades. No entanto, é sempre um horror para mim pois trazem um peso sensorial muito grande (muito movimento, muitas pessoas, não há prioridades numa fila, nada está adaptado, zero)", afirmou um dos inquiridos.
A amostra incluiu 29% de pessoas que são diariamente acompanhadas por um assistente pessoal, 47% que se deslocam em cadeira de rodas, 29% que possuem transporte privado adaptado e 32% que utilizam instalações sanitárias adaptadas.
Do estudo também saíram recomendações. Os autores aconselham a investir na formação dos profissionais da cultura, num maior foco na comunicação para a inclusão e na melhor adaptação da programação a estes públicos. Embora exista programação acessível, isso "não basta", afirmam. "Tem de ser adequada ao espaço, contexto e necessidades dos públicos", pode ler-se no relatório do estudo.