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Antes de mais nada, quando ligar para reservar mesa no novo restaurante de Pedro Pena Bastos, no Ritz, peça para ficar na mesa 1, a mais próxima da cozinha aberta. É de lá que vai conseguir ver o chef a finalizar e empratar os seus pratos, a falar com os colegas da cozinha numa surdina combinada ou com o chefe de sala. É a partir dessa mesa que consegue perceber o serviço harmonioso que o chef conseguiu para o seu Cura, o restaurante que esteve para abrir antes de o confinamento se impor e agora finalmente se estreia na cidade.
Tem entrada independente, ao lado da entrada principal do hotel Ritz, mas os tempos impedem que entre porta adentro confiançudo. Mesmo que tenha reserva, quando chegar à porta do novo restaurante, vão encaminha-lo para a porta do hotel (mesmo ao lado) onde terá de responder a duas perguntas básicas sobre sintomas e possibilidade de contágio e só depois, já no interior do edifício principal, poderá entrar numa bonita sala antes utilizada para workshops ou outros eventos mais exclusivos. Luzes baixas e um foco de luz grande na cozinha, onde Pena Bastos e a sua equipa estão iluminados, recebê-lo-ão. À escolha terá três menus de degustação: o vegetariano Raízes (75€), o mais curto Meia Cura (85€) e o Origens (120€), uma viagem completa com sabores portugueses muito presentes.
O chef esteve três anos no Esporão, voltou a Lisboa com o Ceia, um restaurante na Graça que recebeu boas críticas e o reintegrou na cidade, e em Novembro entrou neste projecto. “O Cura é uma versão 3.0 do meu trabalho. Não mudo a minha forma de ser e ver a cozinha. Trouxe produtores pequenos e marcas portuguesas como a Rival. É muito interessante alinhar aqui alguns pormenores mais clássicos com uma modernidade”, explica-nos. Não pretende, portanto, que este seja um fine dining clássico. “Quero que as pessoas conversem à vontade. A própria playlist não é clássica, todos esses detalhes foram pensados ao pormenor”, reforça.
O restaurante não tinha um dia de inauguração fixo previsto mas a ideia era ser em Março, Abril. A pandemia não mudou em nada o conceito, diz: “Serviu para afinar detalhes, repensar muitas vezes o serviço e perceber o que é que atrai as pessoas numa era pós-Covid”. E é aqui que entra a experiência que quer oferecer, com uma “cozinha vanguardista, com sabor puro, com origens portuguesas, o nosso ADN todo”.
Seguirá sempre a linha da sazonalidade, uma marca obrigatória dos tempos que Pena Bastos já segue há anos. “É straightforward. Produto, produto, produto. Demasiados detalhes não ajudam a realçar o que queremos. Mas o difícil é tornar as coisas simples. É muito tempo, muita mão de obra”, realça.
O menu Origens, o mais completo, é mais curto do que inicialmente tinham pensado, mas a ideia foi sempre ter três. Os snacks iniciais deste menu, o que provámos, são “um tributo ao nosso país, enquadrados na época e sítio onde estamos”. Há um coração de alface grelhado com flor de laranjeira e sementes de girassol, “os aromas de Lisboa”, uma tartelete de lírio dos Açores curado e marinado durante uma semana com pimento fermentado e ovas ou, em modo término do Verão, uma tosta de centeio e malte com melão e barriga de porco.
Nesta viagem, que pode acompanhar com uma harmonização de vinhos, há ostras do sado velhas, com três anos, grelhadas, abóbora hokkaido grelhada, uma mariscada tudo menos tradicional, com o melhor marisco do dia e uma coalhada verde ou uma lula de Peniche com avelã, óleo de bergamota, molho de manteiga torrada de algas e caviar oscietra – 85% dos produtos vêm de Portugal e Espanha, o caviar vem da Áustria mas tem ligação portuguesa, destaca Pedro.
“Os pratos vão sendo alterados de acordo com a época mas não os mudamos de um dia para o outro e manteremos sempre os pratos mais de autor. Isso roubaria consistência ao projecto. Agora estamos na altura dos cantarelos, daqui a um mês altero para outro tipo de cogumelos, por exemplo”. A lula é um dos pratos de autor que está para ficar. “É uma evolução de um prato antigo. Tem um molho complexo de lulas caramelizadas, que infundimos com aromáticos como gengibre e erva-príncipe e é ligado ao momento com a manteiga de algas torradas e o caviar”, explica. A presa de porco cozinhada, com cebolas assadas em argila, é outro dos que tardará a sair. “Fazemos uma pasta de miso com cereais e leguminosas, as cebolas assam nessa pasta e cozinham no próprio suco.”
No Origens há também pescada com xerém de milho e algas ou um tributo ao Alentejo, com uma espécie de ensopado de borrego. “No fundo é trazer um bocadinho do melhor que há no país mas numa versão mais modernizada”.
O ritual do pão, servido pós-snacks, amuse-bouche e entradas, é “o momento mais simples do menu”. É elaborado com grãos ancestrais como barbela, tem um sabor intenso, amargo, bom e deve ser barrado com manteiga envelhecida da ilha das Flores, nos Açores, ou submerso no azeite de azeitonas verdes, uma colheita antecipada da família do chef em Tomar.
A completar a equipa do Cura está Mário Marques, o chef de sala, Marco Carmo, sous chef, Diogo Lopes, chef pasteleiro responsável pelas sobremesas de figos com beterraba ou alfarroba, alho preto, ovo e mel. Gabriela Marques é a sommelier, que seleccionou especialidades orgânicas, portuguesas e biodinâmicas para acompanhar os pratos (que também podem ser pedidas à carta).
“Estamos numa altura em que não podemos ser radicais. Conjugar o nosso conceito com a realidade nem sempre é possível mas fazemos ajustes para ir encantando o cliente, conquistando com calma.”
Com uma semana de vida, o restaurante tem tido a sua lotação (reduzida, de acordo com as regras da Direcção-Geral de Saúde) cheia. Aconselha-se reserva e que escolha o menu logo no momento da reserva, de modo a gerir desperdícios e a conseguir adaptar caso haja restrições alimentares. O único problema neste momento, refere Pena Bastos, são os no shows, quem reserva e desmarca pouco tempo antes ou simplesmente não aparece. “Vir ao Cura é vir para uma experiência. É preciso assumir o compromisso.”
Rua Rodrigo da Fonseca, 88 (Marquês). 21 381 1401. Ter-Sáb 19.30-23.00.
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