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Foi preciso esperar meses para ver o trabalho de Ema Gaspar ver a luz do dia – não na forma de uma folha plana, como habitualmente acontece, mas numa das silhuetas mais icónicas da Bimba y Lola, a Moon Bag. A ilustradora foi desafiada a colocar o traço ao serviço da moda e o resultado foram três malas de edição limitada e com o cunho desta jovem autora portuguesa. Com preços entre os 145€ e os 175€, os três modelos esgotaram em pouco tempo.
Na base do trabalho de Ema está uma estética, no mínimo, particular, resultado de uma afinidade – já de longa data – com a cultura japonesa, mas também que é fruto de um processo interior. Através do desenho, a artista gere emoções e memórias, que apesar de chegarem ao papel fofas e cor-de-rosa, representam muitas vezes o universo que lhe serve de refúgio. “Pego em coisas que me interessam esteticamente, mas o meu foco acaba sempre por ser: como é que estou mentalmente. Por isso é que o meu trabalho é um escape, um escape que me ajuda a equilibrar-me, se calhar. Diria que é essa a minha inspiração: dealing with my own demons”, partilha Ema.
As cores variam dentro de uma paleta de pastéis, enquanto as figuras têm um ar amigável – um mundo paralelo feito a lápis de cor sobre papel, que pode esconder um lado agridoce. “Eu não tive um upbringing muito saudável. Talvez agora haja uma tentativa de reclamar o meu lado mais childish, mas ao mesmo tempo de trazer certos traumas. Depois, no fim, olho e gosto imenso destes seres que crio à minha volta. Eu sei que eles não estão aqui verdadeiramente, mas são uma forma de me sentir aconchegada”, continua.
Ema é natural de Almada. Mudou-se para as Caldas da Rainha para estudar Artes Plásticas, na Escola Superior de Artes e Design. A academia empurrou-a para a pintura, ainda que a jovem artista nunca tenha perdido a ilustração de vista. “Isso fez com que me focasse mais no meu lado abstracto. Hoje, consigo ligar essa parte à minha ilustração, que sempre foi o que eu gostei.” Se recuarmos no tempo, encontramos outras referências, hoje identificáveis no trabalho de Ema Gaspar. A animação japonesa é praticamente indissociável do traço da autora. A relação com a banda desenhada começou cedo, quando percebeu que criar as suas próprias histórias aos quadradinhos poderia ser um escape à realidade. “Desenhava imenso manga, até porque via muitos animes no Canal Panda, tipo a Sakura – não gostei do fim, então inventei um final à minha maneira, pronto. Mas acho que a minha primeira referência foi Pokémon, de jogar no Game Boy. E depois foi Canal Panda – Yu-Gi-Oh!, Sailor Moon, os clássicos.”
Finalizados os estudos, quis mudar de ares. E que outro país poderia exercer uma influência tão inspiradora como o Japão. Uma residência artística e uma exposição depois, Ema regressou mais rica. “Lembro-me de estar lá e de querer fazer muita coisa ao mesmo tempo. Alimentou-me imenso a nível estético. E – não sei se foi sorte, se foi por estar no sítio certo e no momento certo – mas começou a procura em torno do meu trabalho. Tem corrido bem, desde então.” Passaram cerca de três anos desde que regressou do Japão e uma das frentes em que tem visto o seu trabalho progredir é precisamente na relação com a moda. O pontapé de saída foi dado ainda em 2020, com uma colaboração com a modelo Kiko Mizuhara. Depois disso, veio a Brain Dead, um colectivo de criativos de designers espalhados pelo mundo, e a portuguesa Constança Entrudo, uma colecção de vestuário apresentada em Março, na última edição da ModaLisboa. “É uma harmonia. É claro que um cliente tem exigências, um moodboard, mas ao mesmo tempo tento perceber que emoções é que isso me traz. Tenho sempre de estar presente a nível emocional, sentir que algo fala comigo”, remata.
A moda é só um dos universos onde o nome de Ema circula. Juntou-se, mais recentemente, com o músico britânico Mura Masa e faz parte da lista de colaboradores do The New York Times. Em Setembro, vai regressar ao Japão para uma exposição individual. Dedicada em exclusivo à ilustração, prepara-se para mostrar pelo menos 20 novos trabalhos, ao mesmo tempo que investe no 3D. Depois de cenas estáticas, pintadas sobre o pape, os pequenos seres de Ema Gaspar vão ganhar vida.
+ Brinquedos, bonecos e mais um par de livros. Abram alas para a FuFu