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Restaurantes de comida tradicional há muitos, nem tantos a abrir, e poucos com um chef com nome feito na praça a dar-lhe forma. É isso o Pica-Pau, um restaurante que bebeu das receitas de Maria de Lourdes Modesto, em pleno Príncipe Real e com Luís Gaspar, da Sala de Corte, aos comandos.
Açorda de gambas à segunda-feira, mão de vaca com grão à terça, filetes de pescada com arroz de tomate e coentros à quarta, cozido à portuguesa à quinta e arroz de cabidela à sexta. Eis os pratos do dia deste novo restaurante – que nasceu no lugar do antigo Pesca, de Diogo Noronha –, sempre disponíveis ao almoço e ao jantar com o preço único de 12€. O sábado é dia de massada de garoupa e camarão (18€) e ao domingo come-se cabrito assado com arroz de forno e grelos (20€). “O Pica-Pau é um restaurante que se assume como cozinha tradicional portuguesa sem qualquer tipo de intervenção ou criatividade. Aqui não há interpretação do chef. O que há é respeito pelo património gastronómico nacional e pelos pequenos produtores”, apressa-se a dizer Luís Gaspar, que nos últimos anos tem ganho especial destaque à frente da Sala de Corte, o restaurante de carne no Cais do Sodré. “O meu único papel aqui foi pegar nos bons produtos e aplicar boa técnica, mais contemporânea e mais cientifica, ao receituário tradicional”, explica o chef, para quem a cozinha tradicional não é estranha.
Em 2017, foi precisamente com um menu inspirado na gastronomia tradicional portuguesa que conquistou a 28.ª edição do Chefe Cozinheiro do Ano. “Fiz sopa da pedra, mão de vaca com grão, caldeirada de bacalhau e brisa do Liz, obviamente com um bocadinho mais de técnica e criatividade porque era um concurso, mas mais tradicional do que isto não é possível”, conta, revelando que abrir um restaurante assim era um sonho antigo. “Estou muito feliz, está a ser altamente divertido”, acrescenta, de sorriso nos lábios, para repetir logo de seguida que no Pica-Pau “não há mesmo nenhuma criatividade”. “O que fizemos foi, com a nossa técnica e experiência, com cozinheiros com formação, respeitar ao máximo as receitas.”
Maria de Lourdes Modesto e o seu Cozinha Tradicional Portuguesa serviram de bússola, tal como o clássico Tesouro das Cozinheiras, de Mirene, e o próprio gastrónomo Virgílio Nogueira Gomes, “uma enciclopédia da gastronomia tradicional portuguesa, muito disponível e acessível, sempre pronto para partilhar receituário e documentos”. “Foi muito importante poder contar com ele neste início do projecto”, diz Luís Gaspar, apontando a expectativa de quem se senta à mesa como o seu maior desafio. “Já toda a gente comeu isto e há uma referência familiar.” O bacalhau à Brás da avó, o arroz doce da mãe... “Do ponto de vista emocional, mexe com as pessoas”, aponta. Talvez por isso, ou também por isso, aliado à visibilidade que tem vindo a ganhar na área, o chef não duvida de que “é preciso ter coragem para dizer que o Pica-Pau é só isto: cozinha tradicional portuguesa”.
A carta não tem, por isso, que saber. Além dos pratos do dia, divide-se entre petiscos e principais. Na primeira parte, está, por exemplo, o pica-pau que dá nome à casa (14€). Porquê? “Porque o pica-pau é um petisco tipicamente lisboeta, das casas de pasto e das tabernas, e quisemos associar o nome de um petisco ao restaurante.” Mas há mais por onde provar ou até por onde ficar, já que é possível fazer uma refeição apenas de petiscos. “Temos um queijo de Nisa de um pequeno produtor (5€), um presunto de porco alentejano de Estremoz (8€), uma saladinha de polvo com polvo do Algarve (12€), um pastel de bacalhau (6€/duas unidades) feito cá, sem fécula de batata ou puré de batata instantâneo, e uns rissóis de leitão (6€/duas unidades), também feitos por nós, com uma massa fina”, aponta Luís Gaspar, enumerando apenas cinco dos 11 petiscos no menu.
Já nos pratos principais, que também podem ser partilhados, há bacalhau à Brás (16€), polvo à lagareiro com batata à murro e cebolada de pimentos assados (19€), arroz de garoupa e berbigão (17€), secretos de porco alentejano com migas de espargos verdes (15€), bitoque à Pica-Pau (16€) e açorda de espargos verdes, alho e coentros (14€).
“A estrutura da carta será sempre mais ou menos esta, mais petisco, menos petisco, mais prato, menos prato. Quero que seja muito objectiva, tendo sempre um prato do dia”, justifica Luís Gaspar, prevendo organizar no restaurante iniciativas como semanas gastronómicas e regionais. “Não vamos convidar chefs estrelados, vamos convidar cozinheiras e cozinheiros do país todo”, continua, antecipando também momentos dedicadas a produtos regionais e sazonais. “Por exemplo, queremos ter [pratos de] caça quando estivermos na caça. Já no Inverno vamos ter de ter outro tipo de pratos como a chanfana, a feijoada.”
Mesmo assim, o chef não duvida que “há um ou dois pratos que independentemente da estação vão ser campeões de vendas”. São eles o cozido, a cabidela e o cabrito ao domingo. “Acho que vão fazer parte da identidade do restaurante de uma forma muito rápida”, atesta. “Nós queremos tornar o restaurante um destino ao almoço. Ao jantar é tudo mais fácil, mas ao almoço temos uma estratégia agressiva com o prato do dia, um bocado como faz a restauração tradicional. Temos um cliente que veio cá comer a açorda de gambas, veio hoje comer o cozido e vem amanhã comer a cabidela. É isto que pretendemos”, diz confiante, apontando o preço como uma mais-valia. “Não quisemos fugir muito em termos de posicionamento de preço àquilo que é a restauração tradicional. Assumimos isso de forma muito confortável, queremos ser um restaurante democrático em termos de oferta gastronómica e também justo e honesto com o produto e o preço.” E como é que se consegue conciliar bom produto a um preço competitivo? “Não entramos em cadeias organizadas nem em distribuição moderna – é aí que está a inflacção do preço. Todos ganham comissões. Não temos produtores massificados e esse é um dos segredos.”
Falta dizer que o couvert não é de se deixar passar. O pão de Mafra chega à mesa quente, acompanhado de manteiga dos Açores e molho Pica-Pau (3€) – isso mesmo, o molho do pica-pau. Nas sobremesas (4€), está lá a doçaria tradicional, claro: farófias com leite creme, mousse de chocolate, arroz doce e pudim abade de priscos.
Já para beber, todas as semanas há um vinho em destaque, sendo a carta já bem composta. Fernão Gonçalves, chef de bar do grupo Plateform, também faz a sua magia aqui, reinterpretando clássicos tradicionais como a amarguinha sour (6€) com limão, xarope de açúcar e clara de ovo; ou a ginginha fizz (6€), com limão, xarope de açúcar, clara de ovo e água com gás.
Num futuro muito breve, Luís Gaspar pretende ter uma pequena montra de produtos à entrada do restaurante. Na parede, já está lá a ardósia com a charcutaria disponível. Mais para a frente, o chef promete novidades. "Este era um sonho antigo, gosto muito de cozinha tradicional portuguesa, apesar de fazer muitas outras coisas, e vão ter oportunidade, em pouco tempo, de ver outras coisas que vou fazer, muito diferente da Sala de Corte e muito diferente do Pica-Pau", revela, sem adiantar detalhes. Resta esperar.
R. da Escola Politécnica 27 (Príncipe Real). 21 269 8509. Seg-Qui 12.00-16.00, 19.00-00; Sex-Sáb 12.00-01.00; Dom 12.00-00.00
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