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A Thug Unicorn era a internet na vida real, a cultura do Tumblr de meados da década passada materializada numa festa. Começou em 2012, no Plano B, no Porto, antes de se mudar para o Maus Hábitos e para o Gare; de subir ao Milhões de Festa, em Barcelos, e de viajar até ao Walk & Talk, em Ponta Delgada; de pisar os palcos e as cabines lisboetas do Musicbox, do Lux (no primeiro aniversário da Rádio Quântica, onde chegaram a ter um programa), do Estúdio Time Out e até do Arraial Pride. Era, também, um espaço seguro e acolhedoramente queer, onde o hip-hop, o r&b e outras músicas urbanas do norte e do sul global davam as mãos ao seapunk, vaporwave e outros sons demasiado online. Em 2018, este unicórnio entrou em hibernação, mas Saint Caboclo prepara‑se para acordá-lo nas próximas edições Y2K do seu Dengo Club, nos dias 12 e 20 de Abril.
Quando Luísa Cativo, Supa, Tânia Pena e Jackie organizaram as primeiras festas, Eudes Junior ainda não era Saint Caboclo, mas uma criança, a viver com os pais no Brasil. Pouco tempo depois, porém, mudou-se para Portugal com a família e, já adolescente, chegou a ir a algumas edições. “Lembro-me da última a que fui, em 2017, se não me engano, no [Estúdio] Time Out. Fui com uns amigos do Montijo. Todo o mundo falava sobre essa festa, era uma coisa grande dentro do nosso grupo, quase todos gays, lésbicas, tinha alguns héteros também”, conta o DJ e fundador do Dengo Club. “Na altura saía muito no Bairro Alto e para discotecas como o Trumps e a Posh. Mas lembro-me de estar ali e perceber que eram eventos assim que queria frequentar, onde havia uma certa mensagem. E de ficar a pensar sobre como era importante existirem eventos que não estivessem tão associados a um espaço, mas a uma comunidade.” Foi uma revelação e, mais tarde, uma inspiração.
Recentemente, num jantar com amigos e DJs da popular festa “queer and black owned” que organiza há uns anos, a Thug Unicorn veio à baila. “E acho que foi [a DJ e organizadora das festas Digital Destiny] Von Di que disse que nunca tinha ido. Eu falei que eram muito boas e havia pessoas incríveis”, continua Saint Caboclo. “Assim que saí desse jantar mandei uma mensagem à Luísa.” E “foi uma coincidência mesmo engraçada”, começa Cativo. “Quando ele falou comigo, estava precisamente a fazer o projecto de candidatura para o [concurso de apoio à criação e programação artísticas] Criatório, do Porto, que passa pela criação de uma peça de videoarte documental sobre a comunidade e as relações se foram formando na festa e como elas evoluíram desde que acabou.” O projecto engloba também uma zine, em formato digital e impresso, que documentará “a linguagem visual e a forma como a comunicação era feita”, com um ensaio da curadora Marta Espiridião; e mais uma festa, com as DJs e outros performers ligados e inspirados pela Thug Unicorn.
O cartaz desta edição Y2K do Dengo Club com Thug Unicorn inclui, além de Cativo e Supa, em representação do colectivo portuense, várias caras conhecidas das festas de Saint Caboclo, incluindo o próprio DJ, Runnan, Banu, Kiko is Hot, Von Di e Fvbricia. Sexta-feira, 12 de Abril, no Hard Club (Porto), e sábado, 20, numa localização ainda secreta em Lisboa, as músicas que costumavam passar na mitificada festa entre 2012 e 2018 vão ser actualizadas para o presente pelas Luísas, e misturadas com “o funk, o afro e o house” que se escutaria em qualquer outra noite em que o Dengo Club estivesse de portas abertas.
Uma festa intergeracional. E política
“Uma parte muito interessante da festa era que nós usávamos muita política na nossa comunicação, só que as pessoas nem sequer davam por ela porque era tudo em memes e filtrado pela pop culture”, sugere Luísa. “Quis fazer esse projecto para o Criatório porque acho que, neste momento, com o que está a acontecer social e politicamente em Portugal, torna-se muito aparente que há um grande problema de comunicação da parte da esquerda, especialmente com o público mais jovem.” Jovens como aqueles que tendem a ir ao Dengo Club. “Consigo acompanhar as idades das pessoas através dos bilhetes, por causa do e-mail e das informações. Há sempre algumas pessoas dos 25 [anos] para a frente, mas mais dos 18 aos 25”, diz Eudes Junior. “Se há assuntos que são realmente relevantes e sobre os quais a população jovem tem que pensar, quem tem uma plataforma – qualquer plataforma que seja – sente uma certa responsabilidade de falar sobre eles.”
O organizador repara, contudo, que “desta vez, o pessoal mais velho está a comprar mais” ingressos. Também foi esse o objectivo de convidar a Thug Unicorn. “A gente está muito feliz por conseguir juntar um público de diferentes faixas etárias. É uma chance de mostrar o que os mais novos estão fazendo à geração que está há mais tempo a sair à noite. E quem está saindo há mais tempo vai ver como as pessoas mais novas estão se vestindo, o que é que elas estão fazendo. Essa troca entre a geração Z e os millennials é muito legal”, acrescenta o organizador. “Normalmente, éramos só nós durante as seis horas. Acho que vai ser fixe estarmos a tocar também com outros DJs que fazem parte da comunidade e que estão entusiasmados por poderem fazer parte da Thug, desta maneira, agora. E também vai ser fixe para pessoas que nunca tiveram oportunidade de experienciar as festas, mas que já ouvem falar delas há anos”, considera Cativo.
“Não sei se vai ser tão popular com o público gen Z. Mas era fixe se assim fosse. Seria um momento bonito, intergeracional”, avança a co-fundadora das noites Thug Unicorn. “Vai ser”, crê Saint Caboclo. “Passo o tempo a ver no TikTok como a geração Z está a adoptar o que era a nossa cultura Tumblr.” E Luísa Cativo, Supa e companhia eram fluentes nisso. “Vai ser quase uma aula de história do clubbing em Portugal para as gerações mais jovens”, conclui Luísa Cativo, com um sorriso esboçado dos lábios. Não queiram chumbar por faltas.
Local secreto (Lisboa). 20 Abr (Sáb). 23.59-06.00. 10€-15€
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