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Dentes e transplantes capilares turcos: a ascensão do turismo estético

A indústria de turismo médico da Europa não pára de crescer – mas quem está a pagar o preço?

Vera Moura
Escrito por
Henrietta Taylor
Traduzido por:
Vera Moura
A collage of images depicting surgical treatments
Image: Jamie Inglis / Time Out
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Quer esteja a fazer scroll no Instagram ou a seguir o reality show Love Island com uma mistura de amor e ódio, é provável que os tenha visto. Aquelas deslumbrantes séries de novos dentes de porcelana brancos. Antigamente conhecidos como "sorriso de Hollywood", agora, devido ao local onde toda a gente os compra, ganharam a alcunha de "dentes turcos".

Ao lado de procedimentos cosméticos populares como rinoplastias, aumento de mamas, lipoaspirações e botox, esses dentes brilhantes e sintéticos têm sido a escolha preferida de muitos influencers e estrelas de reality shows no Reino Unido – levando os seus fãs e seguidores a seguir o exemplo. Viajam para copiar o visual a um custo reduzido.

Esta procura por cirurgias está a mudar a forma como se viaja no Reino Unido. Embora faltem números oficiais sobre turismo médico, o Instituto Nacional de Estatística britânico estima que, em 2019, tenham ido ao estrangeiro 248.000 residentes para tratamento médico. Em 2015, foram apenas 120.000. E a percepção é de que estes números continuam a aumentar. Não é surpresa: em comparação com o custo de tratamentos estéticos no Reino Unido, os procedimentos noutros países são significativamente mais baratos.

O efeito Love Island

A omnipresença destas dentaduras brilhantes não é o único indício da crescente popularidade do turismo estético. A rede de transportes de Londres, TfL, foi criticada em 2023 por exibir anúncios controversos de aumentos baratos de mamas e odontologia no estrangeiro. E há um grande número de pessoas a documentar as suas experiências com procedimentos estéticos em viagem e a publicá-las online – quem parte em busca destas cirurgias vai para lugares como a Turquia, a Croácia e a Europa Oriental, para regressar com sorrisos deslumbrantes, olhos de raposa codificados como os de Kendall Jenner e rabos, mamas e barrigas "yassificados".

A ligação entre o interesse crescente por estes tratamentos e aquilo a que somos expostos através dos ecrãs é clara. Em Junho do ano passado, quando Love Island UK estava no ar, as pesquisas por "dentes turcos" aumentaram uns incríveis 10.000% da noite para o dia, depois de a participante Jess Harding descrever o tipo de pessoa por que se sentia atraída como um "rapaz bonito com dentes turcos".

E não são apenas as mulheres. Muitos homens estão a viajar com os mesmos objectivos: odontologia e outros procedimentos cirúrgicos. O transplante capilar é o mais popular entre o sexo masculino: por ano, vão até um milhão de pessoas do Reino Unido para a Turquia para obterem um conjunto de folículos capilares recém-plantados, que com o tempo se transformarão numa nova (e farta) cabeleira.

Parece que as pessoas estão cada vez mais propensas a deixarem-se tentar e a marcar procedimentos no estrangeiro, baratos e super rápidos, na tentativa de acompanhar as tendências. Mas será que isso é mesmo verdade?

Janay Hunter, 25 anos, de Croydon, Londres, começou a considerar cirurgia plástica há sete anos, depois do nascimento do seu filho. Ganhou coragem em Outubro passado. "Demorei muito tempo a pensar sobre isto", diz. "Estava à procura de clínicas no Reino Unido para ver se conseguia opções de financiamento, mas não tenho o melhor crédito, por isso pesquisei sobre ir para fora." A criadora de conteúdos decidiu fazer uma abdominoplastia com lipoaspiração 360 – um procedimento popular entre as mulheres pós-gravidez, que reafirma os músculos abdominais e remove o excesso de gordura nos lados, costas e estômago.

"Escolhi [a Turquia] porque estava a olhar para os preços no Reino Unido e é ridiculamente caro", continua. O preço de uma abdominoplastia no Reino Unido pode variar entre 6000€ e 12.000€, enquanto a lipoaspiração 360 custa mais de 8000€. Juntos, é uma conta e tanto. Embora Hunter tenha lido histórias de horror sobre procedimentos no estrangeiro que correram mal, no final, confiou. Examinou infinitas opções de pacotes de hotéis e clínicas, e optou por uma das maiores empresas de turismo médico da Turquia, a MedAway. O custo total, que incluía a cirurgia, um hotel all-inclusive em Istambul, viagens de carro entre o hotel e a clínica, e levar um amigo, custaria apenas 5600€. Vamos a isso.

Risco vs. recompensa

A viagem de uma semana de Hunter passou a voar. "Os resultados são incríveis, honestamente", diz ela. Além de uma operação bem-sucedida, as instalações clínicas eram higiénicas, a equipa com a qual interagiu era profissional e atenciosa, e o hotel era surpreendentemente luxuoso. "A única coisa que me desapontou um bocadinho foi a assistência pós-cirúrgica desde que voltei ao Reino Unido, mas agora não há preocupações."

Hunter teve uma boa experiência, mas nunca falou com o cirurgião até ao momento em que chegou à Turquia. Contrariando o conselho do Royal College of Surgeons do Reino Unido de que os pacientes devem esperar no mínimo duas semanas entre a consulta e a cirurgia, Hunter teve a sua consulta inicial depois de aterrar e foi operada no dia seguinte. Pediram-lhe que pagasse em dinheiro, e ela pagou.

Mas mesmo com as histórias de sucesso a proliferar nas redes sociais, é impossível ignorar a imagem pintada pelos media: práticas de higiene duvidosas, resultados desastrosos e mortes chocantes. Desde 2019, morreram pelo menos 25 turistas médicos britânicos que fizeram procedimentos na Turquia, incluindo Melissa Kerr, de 31 anos, cuja morte em 2019 depois de uma cirurgia de lipoescultura esteve recentemente nas notícias quando o Reino Unido anunciou que as autoridades viajariam para a Turquia para "conversas de regulamentação".

O boom do turismo médico na Turquia

De acordo com a Associação Britânica de Cirurgiões Plásticos Estéticos, houve um aumento de 94% nos turistas do Reino Unido que fizeram cirurgias correctivas e odontologia nos últimos três anos. Os procedimentos na Turquia representam mais de três quartos destes números nos últimos seis meses.

Em Novembro, foi anunciado que a Turquia está prestes a ultrapassar a França como o segundo destino mais popular da Europa, graças à sua próspera indústria de turismo médico. As estatísticas falam por si: em 2022, a Turquia recebeu 1,2 milhão de turistas médicos e estima-se que o turismo médico dê 2,3 mil milhões de euros ao país a cada ano.

Seria fácil pensar que há um lado positivo – que, como resultado destes turistas, destinos como a Turquia estariam a florescer. A entrada de dinheiro estrangeiro só pode ser bem-vinda numa economia assolada por 61% de inflação. Ou será que não? Veja-se o caso de Antália (o segundo destino de turismo médico mais popular da Turquia a seguir a Istambul). Diz Sinan Baran Bayar, um especialista em turismo sustentável de Antália: "As condições económicas na Turquia não são boas. Muitas pessoas da minha família, incluindo eu, trabalham na indústria do turismo. E embora possa parecer benéfico, sentimo-nos cidadãos de segunda classe."

Bayar explica que Antália já era um centro turístico, mas que as coisas se intensificaram nos últimos anos, com a chegada de cada vez mais turistas predominantemente britânicos e alemães. A cidade mudou, em todos os aspectos. Para começar, o trânsito é constante. Depois, a abertura de novas clínicas dentárias, centros de transplante capilar, spas e salões de unhas é ininterrupta – todos virados para turistas com dinheiro no bolso, mas inacessíveis para aqueles que vivem localmente.

Outro problema é que, em busca de melhores oportunidades, muitos dos melhores cirurgiões e médicos da Turquia deixaram o país, reduzindo os padrões de atendimento médico em geral. Ou então, simplesmente viraram as costas à saúde pública em troca de clínicas privadas, o que é outra má notícia para os cidadãos turcos.

Com tantas incertezas, tanto em termos de resultados de cirurgias quanto em mitigar o impacto do turismo estético nas culturas e economias locais, o melhor caminho permanece obscuro. Enquanto a beleza e as tendências estéticas inatingíveis continuarem a surgir e nossas inseguranças se adaptarem e transformarem com elas, a perspectiva de viajar de forma acessível e rápida para uma operação continuará a ser uma tentação. Mas se estiver a pensar marcar viagem, é importante que faça uma pesquisa. Pense se a cirurgia é realmente a melhor opção e sobre o impacto que pode ter no país para o qual está a viajar.

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