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A propósito do espectáculo Triste in English from Spanish, de Sónia Baptista, a Culturgest promoveu um debate sobre a tristeza em 2019. Este ano, à luz dos dias que vivemos, propõe-se regressar a essa conversa sempre pertinente, para abordar o sentimento “enquanto motor para agir e para tentar mudar o estado das coisas”.
Sem a urgência de ir à procura de mais e novas actividades, permita-se parar. O convite é da Culturgest, que irá transmitir em live streaming uma discussão sobre a tristeza, já na próxima quinta-feira, 23 de Abril, às 21.00. Ao volante de “Direito à Tristeza, Hoje”, no Facebook e no Youtube, estará a artista Sónia Baptista, autora do espectáculo de teatro e dança Triste in English from Spanish, mas também a psicóloga Ana Cardoso Oliveira, que desenvolve a prática clínica em várias áreas e patologias, como ansiedade ou perturbações do sono. O objectivo é ensinar a importância de assumir a tristeza e de a entender como “ferramenta de intervenção”.
“É importante perceber que a tristeza é uma oportunidade saudável de lidarmos com o luto e não a devemos confundir com depressão”, esclarece ao telefone a psicóloga Ana Cardoso Oliveira. “A tristeza, ao contrário do que as pessoas pensam, é uma reacção saudável e temos direito, também ao contrário do que nos dizem constantemente, a senti-la”, acrescenta. “Muitas vezes tem-se a ideia de que temos é de reagir à tristeza, como se não pudéssemos passar por ela, e as pessoas têm tanto medo de que os tristes se contaminem que se insiste na panaceia de que temos é de fazer coisas para nos animar e não vivenciar a tristeza. Mas se não a vivenciamos também não ultrapassamos os nossos lutos nem nos transformamos.”
Dizer não à negação: é esta a premissa, também preconizada por Sónia. A coreógrafa, escritora e performer começou a criar o espectáculo Triste in English from Spanish a partir da sua própria tristeza e do que chamou a “psico-poética do browser”, uma reflexão construída a partir de fragmentos encontrados online sobre o estado do mundo e o estado das pessoas em relação a um planeta cada vez menos natural. “Por ser muito pessoal, real e honesto, falar da minha tristeza mas também, por exemplo, de catástrofes naturais, que nos deixam a todos tristes, o espectáculo tornou-se universal, penso, senti dessa forma”, confessa Sónia Baptista.
“Depois da estreia em 2017, propus à Culturgest a reposição da peça em 2019 e a partir daí promoveram-se uma série de eventos à volta do estar triste, como o debate com a Ana e outros psicólogos, ao qual queremos retomar, porque é importante reflectir sobre a forma como convivemos com os nossos monstros.”
Se quando os dias ficam mais cinzentos nos sentimos mais tristes, é perfeitamente natural sentirmos o mesmo quando o sol brilha lá fora e não o podemos aproveitar da melhor forma. Tal como está a acontecer neste período de isolamento e distanciamento social.
“A depressão, que está acima da tristeza e não tem piada nenhuma, é um limbo. Infelizmente, este momento é como um limbo, porque o melhor a fazer é não fazer nada. Esse sentimento deixa-nos com muito receio do futuro e estamos todos a sofrer, parece-me, de falta de concentração, de dias angustiados e sonos perturbados, porque esta é uma circunstância extrema para a nossa geração, que nunca viveu uma pandemia ou uma guerra. É muito difícil”, admite Sónia, que também se tem sentido triste. “Diria que este é um momento de partilha depressiva, mas espero sinceramente não ser muito profunda nem violenta.”
Ana Cardoso Oliveira concorda com a ideia de estarmos a sentir um “desconforto permanente, uma espécie de síndrome de abstinência, por estarmos com o outro sem o sentirmos”. Mas insiste na diferença entre depressão e tristeza: a primeira é inacção, a segunda é parte integrante e temporária da vida que levamos e pode ter um impacto positivo na nossa vida. “Dá-nos a certeza da finitude e, depois deste confinamento, espera-se uma maior consciência da liberdade de cada um e mais urgência em fazer o que é preciso, mas também o que nos apetece”, prevê.
“A relação tecnológica não supre a necessidade de toque, sobretudo nas camadas mais velhas, que agora olham para os mais jovens não como agentes de afecto, mas como agentes de morte”, continua a psicóloga. “O problema é que também se morre de solidão e percebermos porquê é importante para mudarmos os nossos comportamentos em relação à forma como vivemos e como nos relacionamos uns com os outros.”
Fazer frente ao estado das coisas, das pessoas e do mundo – olhar a tristeza e a morte nos olhos – é precisamente a proposta do debate promovido pela Culturgest. Como transformar as nossas emoções em ferramentas para “lutar por um mundo melhor e mais justo” é uma das questões a que Sónia e Ana vão procurar responder. “Assumir, partilhar e reflectir”: serão estas as palavras de ordem de uma conversa que, desejam, mostrará como estamos acompanhados por um todo, que não vemos mas que está a viver e a sentir o mesmo que nós.
“Acho muito bonito o movimento criado para aplaudir os profissionais que estão a trabalhar no meio desta confusão, mas já pensei que devíamos ter o momento do grito, para irmos todos à janela gritar o que temos a gritar, para soltarmos o que se está a acumular cá dentro.” É Sónia quem lança o repto, também como aperitivo para o seu próximo espectáculo, que espera estrear em Novembro.