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Este artigo foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 672 — Inverno 2025
É uma cave com sistema de refrigeração e de regulação de humidade, uma estrutura de arquivo exemplar e, o mais importante, o local onde está a maior e mais valiosa colecção de fotografia contemporânea do país – e uma das mais importantes da Europa. Nas gavetas que guardam as perto de 1000 fotografias do Novo Banco (BES, na altura em que a colecção se montou), há Cindy Sherman (autora de um auto-retrato vendido por 3,89 milhões de dólares), Andreas Gursky (que assina terceira fotografia mais cara da história), Marina Abramović, Hiroshi Sugimoto ou os portugueses Paulo Nozolino, Edgar Martins e Pedro Cabrita Reis.
Com o fim do BES, em 2014, e a compra do Novo Banco (NB) pelo fundo de investimento Lone Star, o acervo artístico avaliado em mais de 50 milhões de euros (fotografia incluída) passou para o grupo americano. Quatro anos depois, o Ministério da Cultura e o NB assinaram um protocolo de cedência de 97 obras para museus nacionais. A distribuição foi feita, com o Museu Soares dos Reis, no Porto, a ser a última instituição a receber peças, há poucos meses. O saldo actual são “obras em 42 museus do país, em todos os distritos, 95% pintura”, informa o director de comunicação do banco, Paulo Tomé.

Mas a fotografia, a "jóia da coroa" da colecção, como lhe chegou a chamar o então primeiro-ministro António Costa, ficou de fora do acordo. “As pinturas não obedeciam a uma lógica de colecção, e têm de estar expostas. A fotografia é outra coisa, completamente diferente. Mas não pomos entraves à saída temporária de obras do acervo”, continua Paulo Tomé. No espaço Fidelidade Arte (antigo Chiado 8), no Largo do Chiado, por exemplo, pode ver-se até 2 de Maio "Car Radios Photographed while Good Music Was Playing", o trabalho realizado por Hans-Peter Feldmann entre 1970 e 1999 em torno das memórias (e da nostalgia) construídas sobre a música que ouvimos no carro.

Todos os anos, há “entre sete e dez saídas” de obras para instituições culturais estrangeiras ou nacionais, como a Fundação Serralves ou o Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT). Também o cofre-forte, onde se guardam as fotografias de mais de 300 artistas, é visitável sob marcação e a orientação da curadora Alexandra Conde, de segunda a sexta-feira, entre as 09.00 e as 17.00. “Estarão sempre aqui umas 800 obras, as outras vão rodando”, dá conta a responsável.
Já na sala ao lado, acontecem exposições de longa duração (também conferências e masterclasses, pouco divulgadas), abertas ao público. “Des Américains II”, de Andres Serrano, é a actual. E estas são as formas de se aceder à colecção de fotografia mais importante do país. Talvez merecesse mais. “Não há muitos espaços disponíveis para receber grandes exposições em Portugal. Temos muita pena”, justificam e lamentam Alexandra Conde e Paulo Tomé.
Da ida para Coimbra ao fim do grande prémio
Em 2018, chegou a falar-se (e a garantir-se) da ida da colecção de fotografia, na íntegra, para o Convento de São Francisco, em Coimbra, numa tentativa de valorizar a tal “jóia da coroa” do espólio do NB. Mas “o espaço não tinha condições”, assegura Paulo Tomé.
Também os importantes prémios de fotografia do antigo banco ficaram em banho-maria. Apenas em 2024, após uma pausa iniciada na pandemia, deu-se o regresso do prémio de fotografia Novo Banco Revelação, em colaboração com a Fundação de Serralves. Já o BESPhoto, que entre 2005 e 2016 inaugurou exposições de fotografia contemporânea de grande relevo, de artistas como Helena Almeida, Daniel Blaufuks ou Pauliana Valente Pimentel (no ainda Museu Berardo) e que se assumia como um dos momentos altos da fotografia em Lisboa, não voltará.

Embora o número nunca tenha sido confirmado, um artigo do Expresso de 2010 referia um investimento de um milhão de euros por ano em arte contemporânea por parte do então BES, com a fotografia à cabeça. A última fotografia a entrar para a colecção milionária, em 2014, é da autoria do americano Mike Kelley. Faz parte de um dos tesouros mais escondidos, que merece ser visitado. Mesmo enquanto acervo, em gavetas deslizáveis.
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