[title]
A primeira visão é de uma belíssima escadaria, há três anos mantida longe do olhar dos visitantes. Os azulejos pintam-na de azul e branco – datam da segunda metade do século XVIII, período em que o palácio foi erigido. O lustre é outro adereço de milhões, restaurado para agora, com a reabertura do primeiro andar do museu, ressurgir no seu melhor. Mas é o Marquês de Pombal, rodeado pelos seus homens de confiança, quem mais salta à vista. No quadro em questão, foi retratado mais de cem anos depois de ter orquestrado a reconstrução de Lisboa. Uma encomenda da Câmara Municipal de Lisboa a Miguel Ângelo Lupi para abrilhantar o Salão Nobre dos Paços do Concelho, depois do incêndio que atingiu o edifício em 1863. Lupi morreu sem concluir a obra, o que não diminui minimamente o impacto deste grande formato, óleo sobre tela, na escadaria para onde voltou, mesmo a tempo da inauguração.
Marcada para 12 de Setembro, a reabertura do primeiro andar marca também o regresso do Museu de Lisboa – Palácio Pimenta em toda a sua plenitude. Mais do que uma reabilitação do património edificado – que começou em 2015 no piso térreo e em 2021, com a reabertura deste, no andar de cima –, o discurso museológico foi reorganizado, reescrito e enriquecido. Numa linha cronológica, começa com os primeiros achados arqueológicos do paleolítico até ao século XVII, altura em que os visitantes são encaminhados para a nova ala – 11 salas onde a história de Lisboa é demoradamente contada até ao final do século XX.
"O fio cronológico é fundamental para perceber onde estamos. Em termos de espaço, é fácil. Mas mesmo sabendo que estamos em Lisboa, vamos sempre mostrando mapas contemporâneos, também para promover essa relação entre a ideia que se tem do passado e o que somos hoje. E assim se vão enriquecendo as leituras sobre a cidade", começa por introduzir Joana Sousa Monteiro, directora do museu.
As novas estruturas expositivas são para tocar e abrir. Falamos de gavetas, que guardam reproduções e ampliações, ou mesmo testemunhos de personagens ficcionadas que ajudam a compreender melhor o modo de vida de cada época. E estamos na primeira metade do século XVII, diante daquilo a que Joana Sousa Monteiro chama "a nossa pièce de résistance". "É uma das mais extraordinárias obras de pintura da colecção, de Dirk Stoop, um famoso autor holandês, em que temos o Terreiro do Paço em todo o seu esplendor, incluindo notas sobre a multiculturalidade que já era Lisboa naquela altura, incluindo pessoas de etnias e culturas diferentes", adiciona.
Mais do que uma visita meramente contemplativa, centrada no valor artístico das peças expostas, a proposta é também convocar temas como a diversidade, os direitos humanos ou o urbanismo. "Tentámos trazer ao público uma leitura mais profunda sobre como é que esta cidade se foi inventando, também do ponto de vista técnico, logístico, de engenharia e no seu funcionamento diário, e não só os grandes planos, as grandes gravuras, os desenhos", continua a directora do museu.
Do terramoto às invasões
O capítulo só podia ocupar um lugar central. Além das imagens e factos que muitos já conhecem sobre a grande catástrofe de 1755, o museu quis mostrar algo mais. Das gravuras que correram a Europa – exemplificativas do grau de destruição, mas alheias à morfologia da cidade –, a mais um retrato do excelentíssimo marquês, este pintado na época por Joana Inácia Rebelo, a história conta-se com detalhes e curiosidades. Não poderia faltar o famoso plano de reconstrução da Baixa, mas o que alguns visitantes podem não saber é que o projecto escolhido era o quinto de um conjunto de seis propostas, assinadas por diferentes especialistas da época. Pela primeira vez, e com a ajuda das tais gavetas, o museu expõe todos os planos. Visões do que Lisboa poderia ser hoje, nem todas tão favoráveis à ligação entre a cidade e o Tejo.
A reconstrução de Lisboa estendeu-se por mais de um século. Exemplo disso é o Arco da Rua Augusta, concluído apenas em 1875. Projectos, gaiolas e miragens do que a capital portuguesa poderia ter sido e que até fazem lembrar as imagens actualmente fabricadas por inteligência artificial. Engenharias à parte, o mesmo núcleo debruça-se também sobre o quotidiano da época, fortemente marcado pela escravatura, só abolida em Portugal em 1869, ou pela Inquisição, com o último auto de fé em Lisboa a acontecer em 1761.
Na sala seguinte, as invasões napoleónicas dão o tom. Entramos no período de viragem para o século XIX, altura em que são construídos o Teatro Nacional de São Carlos e a Basílica da Estrela e aparece a primeira rede de iluminação pública (a azeite). Mais tarde, abrem-se alas para os ideais liberais, para deixar passar os primeiros comboios e para Rosa Araújo, o presidente da câmara que queria tanto concretizar o projecto da Avenida da Liberdade que chegou a pagar indemnizações e demolições do próprio bolso.
O resto é história... do século XX
"Só o século XX dava para um museu inteiro", exclama a directora. Os cem anos mais recentes da história da cidade dão pano para mangas e são a grande novidade da ala que agora abre ao público, sobretudo se pensarmos que a anterior exposição permanente – a mesma desde a inauguração do museu, em 1979 – se ficava pelo início do século. Só no primeiro andar, estão cerca de 300 peças, das quais cerca de 130 foram pouco mostradas, ou até mesmo nunca expostas, até agora. "Estão sobretudo de meados do século XIX para a frente. Porque uma das grandes novidades desta exposição, em comparação com a antiga e com muitas outras sobre a história de Lisboa, é que temos todo o século XX até ao fim", remata Joana Sousa Monteiro.
E o século abre em grande, com o primeiro sufrágio, monumentalmente representado por José Veloso Salgado. Se, anteriormente, o quadro A Cidade de Lisboa elege a sua primeira Vereação, de 1913, estava confinado a uma pequena sala, agora respira juntamente com os ecos da Primeira República. O busto de Simões de Almeida está logo ao lado, bem como a identidade da mulher que lhe serviu de modelo, de seu nome Hilda Puga.
O Estado Novo espreita na sala seguinte, com as suas décadas profícuas em obras públicas e criação artística, quase sempre sob a alçada do regime. Fala-se aqui da Grande Exposição do Mundo Português, da modernização sem precedentes da cidade – com a construção da Ponte Sobre o Tejo, da rede de metro e do aeroporto. A grande expansão urbanística arranca em meados do século e o tema acompanha a exposição até ao final – Campolide, Alvalade, Areeiro, Olivais, Chelas e, por fim, Parque das Nações, a derradeira e impressionante maquete que reclama uma sala só para si.
Para o fim-de-semana de abertura, de quinta-feira a domingo, estão planeadas visitas guiadas gratuitas. Estão marcadas para sexta-feira (13) às 16.30, sábado (14) às 10.30 e domingo (15) às 14.30 e às 16.30. A pensar nas famílias, estão ainda programadas duas oficinas, às 14.30 de sábado e às 10.30 de domingo. As inscrições devem ser feitas através do e-mail reservas@museudelisboa.pt. Além da agenda, a entrada no museu é gratuita na inauguração – quinta-feira, às 18.00 – e nos três dias seguintes.
Campo Grande, 245 (Campo Grande). 217 513 200. Ter-Dom 10.00-18.00. 3€
Está nas bancas a edição de Verão da Time Out
+ Nova temporada do CCB aposta em mais teatro com Tiago Rodrigues e Artistas Unidos