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O primeiro Filme do Mês de 2023, apresentado pela associação Zero em Comportamento, celebra o rock e a emancipação feminina. Trata-se de Patti Smith, Poeta do Rock, documentário sobre a vida da poeta, escritora, música e artista plástica que passou pelo IndieLisboa em 2021 com o nome original Patti Smith, Electric Poet. O Cinema City Alvalade, a Biblioteca de Marvila, a Nova SBE (Carcavelos), a Biblioteca Orlando Ribeiro (Telheiras) e a Biblioteca de Alcântara são os espaços por onde vai passar este documentário realizado pelas francesas Anne Cutaia e Sophie Peyrard.
Já foi há oito anos que Patti Smith abalou o Coliseu dos Recreios em Lisboa. Mas foi há muitos mais anos que começou por mudar estereótipos de género, a poesia ou o próprio rock ‘n’ roll a partir de Nova Iorque, onde chegou em finais dos anos 60 do século passado, com apenas 20 anos de idade. Em toda a sua vida, Patti Smith alcançou apenas um grande sucesso comercial, com o tema “Because the Night” (1978), mas esta artista sempre foi mais do que música. É toda uma cena.
Com 11 álbuns no portfólio (1974-2012), entre música e spoken word, e bem mais do dobro de livros publicados, da poesia às memórias biográficas, descreve-se como “escritora e performer” na sua sempre movimentada conta no Instagram. Aos 76 anos, permanece em cima do acontecimento, mesmo que no mundo digital, tendo inclusive um espaço no Substack, onde partilha pequenos vídeos com os subscritores, seja com sugestões literárias ou com leituras de livros e poesia.
À conversa com Anne Cutaia e Sophie Peyrard
A história deste documentário começa em França. Como explica à Time Out Sophie Peyard – que também assina o argumento de Patti Smith, Poeta do Rock – a ideia partiu de um convite da produtora Virginia Subramaniyam, na sequência do interesse do canal ARTE em lançar uma série de produções sobre “women who rock” (mulheres que rockam ou arrasam, numa tradução mais livre). Sophie já tinha colaborado anteriormente com o canal, em documentários sobre cultura pop e feminismo, e por sua vez já tinha trabalhado com Anne, que editou o seu documentário Witches of Hollywood (2020). “A nossa complementaridade e o nosso entendimento foram trunfos inegáveis para este projeto. Contar a história da Patti Smith é também falar de uma cena que marcou a história da música e é uma alegria mergulhar nos arquivos da época”, revela Anne à Time Out.
O documentário é mesmo feito à base de arquivos, uma vez que Patti Smith decidiu não emprestar a sua voz a esta produção, apesar dos esforços nesse sentido. “Nós e a nossa produtora encontrámo-nos com o seu agente francês várias vezes, mas foi no final do primeiro confinamento. Não foi o momento mais propício para ela”, revela Anne. Sophie acrescenta que a cantora acabou por informar a produtora de que não desejava participar no documentário. Mas fontes de informação não lhes faltaram. “O trabalho de arquivo foi enorme. A escrita e a pesquisa duraram cerca de seis meses. Ouvi horas e horas de entrevistas de rádio para encontrar a frase certa e levar nossa história avante. E os arquivos visuais chegaram no último momento”, conta Sophie. Claro que não fizeram tudo sozinhas. Anne sublinha que contaram com a ajuda de um arquivista que tornou possível encontrar arquivos “completamente desconhecidos”. O que permitiu, diz, tornar o documentário “mais rico”, misturando, por exemplo, arquivos de televisão, mais profissionais, com imagens amadoras.
Os maiores desafios a esta produção, e sem a participação de Patti Smith no desenvolvimento do documentário, passaram pelos direitos de autor. Houve desde arquivos que perceberam que não podiam usar até mesmo trechos de livros da autora. Mas há sempre uma forma de dar a volta ao assunto. “Por exemplo, decidimos usar animação para contornar a falta de arquivos e mergulhar na imaginação de Patti e no final esse obstáculo permitiu-nos ser mais criativas”, explica Anne. Sophie complementa: “A internet desenterra pequenos tesouros, mas quando se trata de encontrar os detentores dos direitos para poder usar esse material, as coisas complicam-se. O outro obstáculo foi a duração imposta pelo canal, poderíamos ter feito um pouco mais”. De facto, o filme tem pouco mais de 50 minutos e haveria muito mais pano para mangas.
O documentário arranca com a chegada de Patti Smith a Nova Iorque, embora haja 20 anos de vida antes disso. "A ideia era traçar a história de uma mulher que faz escolhas para se tornar o que realmente é: uma artista. Pareceu-nos que a primeira dessas escolhas fundamentais para se tornar o que é, era deixar a família para chegar sozinha a Nova Iorque. É a partir daí que ela realmente toma o seu destino nas próprias mãos”, explica Sophie. É também um “período mais cinematográfico”, acrescenta Anne, para quem seria mais relevante sublinhar um período que incluiu cenários como o Chelsea Hotel ou a Factory de Andy Warhol, além do início da cena punk.
Mas que relação pessoal têm estas duas mulheres com a vida e obra de Patti Smith? Anne sempre se sentiu fascinada por esta artista tão multifacetada, da música e livros à própria personalidade. “Nunca teria imaginado fazer um filme sobre um ícone destes, mas imediatamente percebemos que havia um filme importante a ser feito”. Para Sophie, Patti Smith sempre fez parte da sua “paisagem sonora e visual”. “Fiquei muito impressionada com o álbum Horses [1975] e a sua capa [fotografada por Robert Mapplethorpe], mesmo que só o tenha descoberto muito depois do lançamento. A figura desta mulher andrógina com um ar de desafio ainda hoje gera um preconceito extremamente forte”.
Cinema City Alvalade. Ter 17. 21.30; Biblioteca de Marvila. Sex 20. 21.00; Nova SBE (Carcavelos). Qua 25. 19.00; Biblioteca Orlando Ribeiro. Sex 27. 21.00; Biblioteca de Alcântara. Sáb 28. 19.15.
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