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Dos cremes à comida, estes cogumelos são poderosos. Será uma espécie de magia?

Da suplementação alimentar à cosmética, há todo um mundo que a ciência só agora começou a descobrir. Fomos conhecer três projectos portugueses que trazem os cogumelos funcionais para o dia-a-dia.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
Very Chaga
DRVery Chaga
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Este artigo foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 671 — Outono de 2024

Inês Bleck deixou-se encantar pelo chaga. “É o mais feio, mas também o mais raro. Até há quem o chame tree canker [cancro da árvore], por ser assim um bloco de massa preta que cresce nas bétulas. E está cheio, cheio de antioxidantes espectaculares.” Nem sempre esta marketeer, que durante anos trabalhou na indústria farmacêutica, falou tão apaixonadamente sobre cogumelos. Foi há cerca de três anos que começou a vê-los com outros olhos. Às primeiras tomas de cogumelos funcionais, ficou rendida aos efeitos. Já sabia o que era biohacking – pequenos ajustes na dieta, no estilo de vida e ao nível da suplementação para melhorar a performance física e mental –, mas estes fungos extraordinários foram muito além das expectativas.

“Eles actuam a nível celular, o que é espantoso. Por isso, têm uma relação completamente diferente com o nosso organismo, se compararmos com os suplementos normais, as vitaminas e os minerais”, acrescenta. A desinflamação generalizada foi a primeira consequência. A pele, garante, melhorou de aspecto e o stress passou a ser mais facilmente gerível. E é aqui que voltamos ao chaga, o mais inspirador dos cogumelos. “Tem ácido betulínico, que controla o açúcar no sangue, e polissacarídeos, que são geralmente os biocomponentes dos cogumelos, que conseguem anular os radicais livres no nosso organismo como nenhum outro oxidante.”

Inês Bleck, Very Chaga
DR

Impelida pela própria experiência, Inês criou a Very Chaga no início do ano. A marca, dedicada à suplementação à base de cogumelos funcionais, não se resume à espécie que lhe empresta o nome. Assenta, na verdade, num trio poderoso, capaz de actuar de forma sinérgica no organismo e em frentes distintas. O reishi brilha noutro frasquinho. Achatado, pode exibir simultaneamente diferentes tonalidades de bege, cor-de-laranja e castanho, o que faz dele um espécime bem mais apresentável do que o anterior. Por sua vez, é um belíssimo calmante natural. “Tem a capacidade de actuar no eixo HPA, onde fica a nossa glândula pitotiária e onde produzimos o cortisol”, explica Inês. Em excesso, a hormona afecta directamente o sono e a sua qualidade. “E os relatos são realmente espantosos. Ao tomar reishi, as pessoas conseguem voltar a pôr o cortisol ao seu nível basal e a dormir.”

Mas a Very Chaga lançou-se no mercado com um terceiro frasco. Lá dentro está o juba de leão, um cogumelo farfalhudo e quase branco, mesmo a fazer jus ao nome. Actua sobre o foco, a memória e a concentração e acredita-se que tenha uma função estimuladora da neurogénese. “Há qualquer coisa de enigmático nos cogumelos, ao mesmo tempo que tem havido muito buzz – há documentários, a questão dos psicadélicos, a forma como contribuem para a sustentação do planeta, através de uma rede fantástica que ajuda na comunicação entre árvores e plantas. E depois a forma como actuam. Eles têm 53% do ADN semelhante ao dos humanos e isto é muito interessante, porque quando ingerimos cogumelos, há uma comunicação muito directa com as nossas citoquinas [proteínas secretadas por células que afetam o comportamento das células vizinhas].”

Very Chaga
DRVery Chaga

Cultivados no Norte da Europa, os cogumelos da Very Chaga são vendidos sob forma líquida. Cada frasco, que garante 20 a 30 dias de toma, custa 42 euros (o trio fica por 117 euros). A marca foi lançada para os mercados português e espanhol, onde existe pouca familiaridade com os adaptonénicos – fungos, ou plantas, que vão actuar na origem do desequilíbrio e regular de acordo com a necessidade de cada organismo –, ao contrário sítios como os Estados Unidos, a Austrália ou a Escandinávia. Ainda assim, a empresária acredita que há espaço para fazer crescer o nicho. “Acho que as pessoas também estão um bocadinho cansadas de soluções mais sintéticas, de protocolos não adaptados, por vezes com efeitos adversos não tão bons”, nota. Quanto aos outros efeitos, vulgarmente atribuídos a alguns cogumelos, Inês continua pacientemente a esclarecer. “Há pessoas que ficam ali meio confusas”, admite. Mas por muita confusão que haja, a resposta é só uma: estes cogumelos até podem ser mágicos, mas não chegam a tanto. 

Pérolas, plantas e cogumelos

Num universo fantástico, estes seriam elementos característicos de uma qualquer floresta encantada. Contudo, a realidade que os une é palpável e está cientificamente fundamentada. Que o diga Catarina Oliveira, que demorou até encontrar um laboratório alemão disposto a trabalhar na formulação de produtos a partir de plantas e, claro, de cogumelos. “No início, nem tínhamos a certeza se seria cosmética. Queríamos era trazer esses ingredientes e fazer com que as pessoas retirassem tantos benefícios como nós. Só depois é que começámos a pensar no aspecto que teria. Seria skincare? Suplementos? Foi muito complicado arranjar um laboratório que quisesse trabalhar connosco, principalmente porque naquela altura os cogumelos não eram uma tendência como são agora”, conta.

A Herbar, marca que criou juntamente com Rui Liu, formada em medicina nutricional, nasceu como ideia em 2019. O primeiro lançamento, um óleo facial que é até hoje o produto estrela da marca, valeu-lhes a atenção da imprensa mundial. Vogue, Elle, i-D, The Face e Dazed escreveram sobre esta incursão ao complexo mundo dos adaptogénicos. E se para a jovem empreendedora portuguesa esta era uma descoberta relativamente recente, para a nova amiga era um velho dado adquirido. “A Rui nasceu e cresceu na China. É algo cultural, desde pequeninos que estão expostos a isto – usam este cogumelo para a pele, este feijão para o acne, aquele alimento quando alguém está com tosse”, continua.

Herbar
Ricardo SousaHerbar

Complexo é também o óleo facial que levou a Herbar aos quatro cantos do mundo. Num frasco chamativo, a fórmula totalmente natural e orgânica foi pensada para facilitar a vida a quem dispensa uma longa rotina de skincare. Um tudo-em-um conseguido num laboratório de Brandemburgo. Como antioxidantes, a rosa mosqueta e a jujuba, a “tâmara chinesa” rica em vitamina c. O reishi entra na equação como ingrediente anti-envelhecimento. A hidratação chega através de outro fungo, tremella, que, com a sua textura gelatinosa, possui um efeito semelhante ao do ácido hialurónico, retendo mais de 500 vezes o seu peso em água. A ficha técnica fica completa com uma dose de óleo de cânhamo, hidratante e alternativa natural ao ácido salicílico, ou seja, esfoliante.

“É o que fazemos com todos os nossos produtos, aquilo a que chamamos de reverse engineering: começamos por criar uma apresentação com tudo o que queremos que o produto seja para quem o vai usar.” A partir daí, a equipa laboratorial, que também tem um pé na China e outro ainda na Coreia do Sul, selecciona os melhores ingredientes para lá chegar. Depois do Face Oil, a Herbar lançou as Skin Pearls, suplemento ingerível que actua no sistema endócrino e com benefícios para a pele, graças ao ginseng siberiano e ao cordyceps, entre outros. O Face Nectar é, como o nome pressupõe, uma bomba de hidratação. O Barrier Cream é o último lançamento da marca, o primeiro a ter textura de creme, com acção hidratante e regeneradora.

Herbar
DROs gua sha Herbar

Caso ainda não tenha notado, a Herbar está em expansão. Com Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos como principais mercados, em 2025, Catarina e Rui vão apontar a mira aos clientes australianos e neo-zelandeses. “É algo completamente novo no mundo da cosmética. Há uma marca chamada The Inkey List e eles estão agora a lançar um hidratante com cogumelos. Agora, nós somos a única marca que agrega tudo nas nossas fórmulas”, remata. O crescimento não é apenas geográfico. Em Zermatt, na Suíça, a Herbar já tomou conta de um spa inteiro, o que exigiu o desenvolvimento de novos produtos, entre eles uma máscara facial, um tónico e uma solução de limpeza. A clientela só tem de chegar e relaxar, que os cogumelos tratam do resto.

Apanhados de fresco

Em Aljezur, o cenário é bem diferente. É com o Barlavento algarvio a marcar a paisagem que, desde 2022, o projecto Mushroom Compadres se dedica à cultura de cogumelos. São sete salas no total, cada uma delas capaz de produzir até 100 quilos. E aqui, todos os dias são dia de colheita. Os cogumelos funcionais são usados para suplementos, outros fornecem restaurantes e cozinhas locais. “Não vendemos nada que não sejamos nós a produzir”, exclama George Rapier, que deixou o Texas para se fixar na região. Ao lado tem outro compadre, o venezuelano Manuel Gonzalez, que já trazia experiência em fazer crescer estas e outras espécies. Conheceram-se num parque infantil, enquanto os filhos brincavam. Do encontro improvável nasceu um negócio e das primeiras tentativas e erros uma produção que nunca foi tão sólida como hoje, como esclarece Melissa Mota, mais uma peça deste trio empreendedor.

Compadres
DROs produtos Compadres

O cardápio micológico é composto. Os cogumelos juba de leão e ostra são os mais produzidos. Logo a seguir vêm o reishi, o maitake e o cauda de peru. “A comida é importante, mas a nossa prioridade é desenvolver esta vertente dos cogumelos funcionais”, acrescenta. As tinturas são vendidas em pequenos frascos, disponíveis em três variedades. Recentemente, a marca lançou também um suplemento em pó do suplemento à base de juba de leão.

“Acho que em Portugal há dois tipos de postura em relação aos cogumelos – as pessoas adoram-nos ou têm medo deles. Mas tem havido um ressurgimento de novas terapias complementares, da medicina tradicional. Diria que é um país com abertura para isso, como qualquer outro na Europa”, resume George. O trabalho vai da produção do substracto usado nas culturas aos procedimentos que sucedem a colheita, como a secagem, a maceração ou a moagem. Pelo meio, também recebem visitas. “As pessoas querem sempre saber mais, vê-se que ficam entusiasmadas quando o tema surge. Mesmo quando aparecem na fábrica, querem sempre ver tudo, tocar em tudo.”

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