[title]
A história fabril está impressa na paisagem de Marvila. Antigas fábricas de açúcar, panificadoras ou armazéns vinícolas deram lugar a galerias de arte ou ateliers, mas o passado industrial mantém-se vivo nas fachadas dos enormes edifícios – agora poiso dos criativos que lentamente ali se foram radicando. O futuro de Marvila passa por estes sítios que a Lisbonweek quer mostrar durante todo o mês de Maio, replicando o que tem feito na última década: chamar a atenção para bairros menos conhecidos da capital.
“As artes estão aqui a borbulhar”, considera Xana Nunes, da organização do evento. Por “tudo o que está a acontecer em termos artísticos”, Marvila foi uma escolha óbvia para a edição de 2022, que procura “fazer as pessoas descobrir o património através das artes”. O programa inclui visitas guiadas a locais emblemáticos, circuitos por espaços artísticos, ciclos de conversas sobre arquitectura e trabalho, exposições e até um atelier de criatividade.
O circuito das artes faz-se com o percurso “Marvila Art Tour”. Francisca Portugal, 25 anos, curadora independente, é a guia de serviço. Partimos do empreendimento Prata Riverside Village, a sede das residências artísticas da Lisbonweek. “Decidimos fazer uma open call para jovens artistas que estão a mergulhar no bairro. Têm uma subtemática que é o trabalho, porque esta era uma terra do trabalho", explica Xana Nunes, que adianta que a organização recebeu cerca de uma centena de candidaturas. "Foi uma adesão extraordinária, não estávamos à espera”, diz a responsável. As intervenções site specific dos seis artistas residentes da Lisbonweek estarão expostas na zona circundante do empreendimento da VIC Properties, assim como uma exposição retrospectiva do 10.º aniversário do evento. Daí, seguimos para a galeria Underdogs, onde os visitantes são convidados a explorar as duas exposições temporárias: a mostra colectiva “I don’t wanna be, I am” e “La Folie des Grandeurs”, a mostra individual do artista francês Julien Raffin.
De lá caminhamos em direcção à Rua Capitão Leitão, epicentro artístico de Marvila. Porta sim, porta sim há uma galeria. Além de visitas a espaços incontornáveis como a galeria Francisco Fino ou a Bruno Múrias, o percurso quer também conduzir os participantes até locais menos conhecidos, como o atelier Adriana Barreto, “uma artista brasileira que trabalha entre o Brasil e Portugal e que desenvolve um trabalho muito variado entre a instalação, a performance e o vídeo”, descreve a curadora e guia, ou o The Room, “um espaço gerido por uma empresa de consultoria audiovisual”. A visita termina na Insofar, uma das mais recentes adições ao circuito artístico de Marvila. Lá será possível ver a exposição do artista Isaque Pinheiro, que no dia 7 terá uma conversa informal com Filipa Oliveira, curadora da mostra.
E como nem só de arte se fala na Lisbonweek, o convite à descoberta do património acontece também com visitas guiadas a espaços habitualmente fechados ao público. É o caso do Palácio da Mitra, na Rua do Açúcar. No percurso “Os segredos do Palácio da Mitra”, o historiador Pedro Sequeira revela, entre outras coisas, a origem da expressão “ser um mitra”. “Tem a ver com o facto de a Mitra se ter tornado no século XX o principal centro de apoio assistencial da cidade de Lisboa. Era por aqui que vinham passar os mendigos, os órfãos, os velhos, as pessoas que não tinham qualquer tipo de apoio e qualquer tipo de meios de subsistência”, explica o historiador.
Mas há mais para conhecer sobre este exemplo da arquitectura setecentista pré-terramoto. “Vamos contar todas as histórias e lendas que estão associadas a esse espaço, nomeadamente a da Carolina Coronado, uma das maiores poetisas espanholas do século XIX, que se casa com aquele que deverá ser o Cônsul americano em Portugal, um senhor chamado William Perry, que morre quando os dois residem no Palácio da Mitra”, relata. “Carolina sofria de uma doença rara em que as pessoas são dadas como mortas, desmaiam, não têm batimentos cardíacos, e muitas vezes até acontecia serem sepultadas vivas pensando que estavam mortas. Ela tinha medo que o seu marido, que morreu entretanto, sofresse da mesma condição. Então, em vez de simplesmente enterrar o seu corpo, embalsamou-o, colocou-o na capela e, segundo diz a lenda, do seu quarto havia uma janela que permitia que ela quando se fosse deitar visse o seu marido, na esperança que ele voltasse.”
Entre histórias e mitos, os passeios são para aproveitar até ao final do mês em várias zonas de Marvila. Dez anos depois da primeira edição da Lisbonweek, a organização prepara-se para mudanças. “Lisboa está a mudar muito”, adianta Xana Nunes. “Vamos ver qual vai ser o modelo da Lisbonweek. Acho que ao fim de uma década tem que ser repensado. Na próxima vez poderá haver um desenho diferente na maneira de dar a conhecer a cidade”, remata.
Lisbonweek. Marvila. 1-31 Mai. Vários locais e horários. Marvila Art Tour. 8, 21, 22 Maio, 11.30 e 16.30. 15€. Os segredos do Palácio da Mitra. 7, 14, 21, 28 Maio, 10.00 e 15.00. 12€.