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Este artigo foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 671 — Outono de 2024
Correr em Lisboa requer uma etiqueta própria e quem a aprende uma vez nunca mais esquece. Nada de muito complexo. Respeitar os sentidos da corrida, tal como o dos automóveis na estrada, ter cautela redobrada das ciclovias, acenar cordialmente aos outros grupos e nunca perder o rasto do nosso. Boas práticas que não chegam para encher um guia, mas que zelam pela sã convivência entre corredores. E se eles são cada vez mais. Num final de tarde, junto ao Rui dos Pregos, nas Docas, encontra-se mais um. Uma dúzia, entre velocistas habituais e estreantes que, tal como outros antes deles, descobriram o 500 Miles Run Club no Instagram.
O grupo existe há coisa de seis meses, por livre iniciativa de Catarina Ribeiro, uma engenheira química de 24 anos, que profissionalmente tem andando ocupada com algo ligeiramente diferente – consultoria financeira. “Nunca fui a miúda mais atlética. Na pandemia, quando estávamos todos fechados em casa, comecei a fazer caminhadas. Um dia, decidi que ia correr. Senti-me super mal, odiei”, resume, em conversa com a Time Out. De tanto insistir, acabou por lhe ganhar o gosto, o que pressupõe começar a participar em corridas organizadas.
“Quando comecei a correr com mais regularidade, comecei a ver imensa gente na rua. E quando passas por alguém que está a correr, a compreensão do sofrimento é mútua. A pessoa dá sempre aquele aceno com a cabeça, que acaba por dar ali um boost de energia.” O sentimento de identificação levou-a a criar um clube na zona onde vive, Azeitão. Durante os primeiros dois meses, foram sempre as mesmas duas ou três pessoas a aparecer. Com a chegada do Verão, o caso mudou de figura. Primeiro a Caparica, com direito a uma passagem pela praia depois da pequena maratona, depois Lisboa, com Alcântara e o Tejo como local de eleição. As terças-feiras são certinhas, sempre às 19.00. Às quintas-feiras corre-se de quando em vez. Passado o ímpeto estival, o grupo pode facilmente oscilar entre 20 pessoas e dois ou três, o cenário mais provável caso haja chuva à mistura.
A pergunta é: porquê fazer algo em grupo que se pode fazer sozinho? “Imensas pessoas querem começar a correr, mas depois experimentam sozinhas e detestam. Não há grande ciência – quando não te sabe bem, não queres repetir. Quem se junta a um grupo fá-lo porque está farto de correr sozinho ou porque quer começar e precisa daquele boost”, continua. Entre experientes e novatos, é preciso respeitar todos os ritmos, razão pela qual Catarina passa o trajecto, regra geral de cinco quilómetros, a adiantar-se a atrasar-se para garantir que ninguém fica sozinho. Além disso, quem partilha o mesmo passo tende a juntar-se rapidamente.
O amor está no ar
“Há muito esta ideia de agora as corridas serem as novas dating apps. Eu não sinto muito isso no meu grupo”, defende Catarina. No 500 Miles Run Club pode não haver sinais de romance (ainda), mas a socialização faz parte do pacote. Com estudantes, estrangeiros ou de outras partes do país, e a vaga de expats em Lisboa há mesmo quem use a corrida para conhecer pessoas novas e, quem sabe, fortalecer laços. Nessa parte, Catarina dá uma ajuda – volta e meia, depois da corrida, a noite acaba com brindes e petiscos, num ambiente estritamente amigável.
O mesmo não se pode dizer do Rookie Run Club. A primeira corrida foi em Fevereiro deste ano e durante os primeiros dois meses, o pelotão andou a rondar os 30, na maioria amigos e amigos de amigos. A partir daí, foi sempre a subir. “Já vimos casais nascerem dentro do grupo, pessoas que começaram a namorar depois de se terem conhecido nas corridas.” Martha Fitzpatrick é uma norte-irlandesa a viver em Lisboa. Criou o grupo com duas amigas – Sarah Kelly, da Irlanda, e Lizzy Elli, dos Estados Unidos. “Estamos a viver em Portugal há dois, três anos. No último Inverno, começámos a pensar numa forma de nos mantermos em forma. Foi aí que começámos a correr juntas ao fim-de-semana. Corríamos cinco quilómetros e depois íamos tomar um café e comer um doce. De repente, era super agradável poderes correr a um ritmo que te permitisse conversar também. Divertíamo-nos tanto que convidámos alguns amigos a juntar-se”, recorda Martha.
O objectivo já não era só a boa forma física, mas criar uma comunidade. Com ajuda de alguns dos cafés que frequentavam, foram espalhando a palavra. No Verão, o Rookie Run Club tornou-se um fenómeno e chegou a reunir 150 pessoas numa única corrida, estrangeiros e não só. “Acho que depois da covid, as pessoas procuram estes tipo de eventos, para tirarem os fones, saírem da frente dos ecrãs. E sim, acho que terem visto o bom tempo chegar contribuiu para este crescimento. Se bem que agora o tempo está a piorar e o grupo não pára de crescer.”
Há duas corridas por semana. Às quartas-feiras, o ponto de encontro é na Estação dos Cais do Sodré, às 19.30. O destino? A Estação de Alcântara-Mar, mas com bilhete de regresso. A recompensa serve-se na forma de refresco, no Honest Greens. Aos sábados, o grupo reúne às 10.00 na Praça do Comércio para depois rumar a Santos, mais precisamente ao Copenhagen Coffee Lab da Avenida 24 de Julho, onde o desfecho pode ser um café de especialidade ou um rolo de canela. “Talvez o grupo já tenha juntado uns quatro ou cinco casais, mas são ainda mais as amizades que nasceram daqui. Temos visto as pessoas a criarem grupos mesmo muito chegados”, remata.
Quilómetros e cafeína
O ano arrancou com uma nova meta para Alena Gamm e Diego Silva, os proprietários do Ele Ela Café, em Santos. E tudo porque uma corredora de fim-de-semana começou a fazer do local ponto de encontro de um grupo de amigos. Contagiados por tanta energia, criaram o Ele Ela Running Club, uma trupe composta por amigos, conhecidos, clientes e pelos próprios donos do café. “Ambos gostamos de correr e criámos o grupo, em primeiro lugar, para todos os que partilham essa paixão. Mas também porque quisemos criar um espaço para a comunidade se reunir e socializar. É uma forma de tornar o bairro ainda mais vivo e juntar toda a gente por algo que é saudável e divertido”, resume Alena.
O ajuntamento acontece todas as sextas-feiras, às 8.30, em frente ao café. Daí, correm até ao MAAT e regressam. Uma vez por mês, quase sempre no último fim-de-semana, encontram-se também ao sábado, aí para rumar ao Anemia, na Ajuda, para pôr (ainda mais) a conversa em dia, acompanhados pelo café de especialidade. São sobretudo estrangeiros a viver em Lisboa, mas também há alguns portugueses, num grupo que varia entre 15 e 20 pessoas.
“Já surgiram algumas amizades dentro do clube. A sensação é a de que estamos numa família de corrida, onde as pessoas acabam também por combinar coisas fora do âmbito do grupo. É um sítio para fazer amigos, mas onde também há espaço para engate e romance”, assegura. Se se cruzar com eles na rua, saiba que é fácil reconhecê-los – a equipa do Ele Ela Running Club tem equipamento próprio, bonés brancos a identificar a equipa.
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