Notícias

“É para religiosos e para ateus”. É uma ópera-rock sobre Fátima por La Féria

No Politeama, até 12 de Janeiro, há para ver um musical sobre os acontecimentos de 1917, na Cova da Iria, em que Lúcia, Jacinta e Francisco alegam ter avistado Fátima.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
Jornalista
Fátima
RITA CHANTREFátima
Publicidade

Para que é que nos serve acreditar em Deus? Segundo o Antigo Testamento, foi a Abraão que apareceu pela primeira vez. Mais tarde, antes da batalha de Jericó, é Josué que recebe uma visita. Ele existiu, houve quem o visse e houve quem falasse com ele. Pelo menos, segundo se escreveu neste livro sagrado. Se é verdade ou não, essa é a questão que se põe há séculos e que divide a população entre quem é crente e quem não é. Uns alegam que precisam de ver para crer, o que, inevitavelmente, torna tudo mais complicado. Outros não precisam de ver nada, dizem que o sentem ou que o ouvem. Mas provar a existência de Deus é impossível. Então para que é serve mesmo acreditar em Deus? As respostas são intermináveis e também se podem aplicar ao que ocorreu em 1917, na Cova da Iria, quando um grupo de três crianças alegou ter avistado Fátima. Entre a dúvida e a indignação, Lúcia, Jacinta e Francisco tornaram-se figuras de relevo e, para muitos, portadores de um milagre. Filipe La Féria achou então por bem contar a sua história numa ópera-rock que, diz o encenador, é tanto para religiosos como para ateus. Fátima estreia-se esta quinta-feira, 5 de Dezembro, no Teatro Politeama.

Fátima
RITA CHANTRE

“É um espectáculo muito ambicioso. Acho que nunca trabalhei tanto como neste”, confessa La Féria, que além de ter escrito o texto e encenado o espectáculo, também tomou conta da cenografia e da música. Com uma carreira em teatro musical inigualável em Portugal, entre criações próprias e adaptações, La Féria já levou a palco Jesus Cristo Superstar, Música no Coração ou West Side Story. Desta vez, quis retratar um acontecimento da História portuguesa que lhe diz muito e por várias razões. Contudo, afasta-se de uma qualquer vontade em provar o que quer que seja. 

“Não interessa nesse grande fenómeno provar nada. Já se escreveram milhares de livros, até há um em que tudo se explica devido a discos voadores. Noutro, diz-se que era uma senhora inglesa, a esposa de um engenheiro, que andava a passear toda vestida de branco. Há milhares de histórias, mas isso não é importante. O que me apaixonou nesta história foram as personagens, estas crianças nesta terra tão pobre, tão pequena, num Portugal completamente destruído, que abraçam o universo”, diz o encenador. E acrescenta: “Não quero provar se é realidade ou ficção. É para religiosos e para ateus, portanto, é uma história completamente transversal”.

Fátima
RITA CHANTRE

Fátima leva-nos ao ano de 1917. Estava a acontecer a Primeira Guerra Mundial e, em Portugal, a República dava os seus primeiros passos. Na Cova da Iria, encontramos Lúcia e os dois primos, Jacinta e Francisco, a guardar o rebanho, quando se dá uma tempestade. O céu abre e é no meio do campo, junto a uma azinheira, que os três testemunham a aparição de Nossa Senhora de Fátima. Lúcia, Jacinta e Francisco juram não contar a ninguém o que viram, mas as pessoas da aldeia acabam por saber do acontecimento. A desconfiança instala-se, especialmente, do lado de Artur de Oliveira Santos, administrador do concelho de Ourém, que, conhecido por ser progressista, se rege pela razão.

À medida que a história das três crianças se vai desenvolvendo, vamos conhecendo um pouco da vida que se faz na aldeia. Desde o padre e das viúvas devotas, ao Bazófia e ao Paneirinho, que aldrabam e enganam sempre que podem, passando pelos pais de Lúcia e de Jacinta e Francisco. Ao encenador, interessou-lhe olhar para as personagens secundárias, como a mãe de Lúcia, Maria Rosa, que exigente e dura para com a filha, canta sobre ter nascido e vivido na pobreza, mesmo sendo a única mulher na aldeia que sabe ler. “São personagens que eu próprio me lembro da minha juventude, são personagens da minha infância. Eu também sou um homem da aldeia, conheço muito bem a aldeia, não tem nada a ver com a cidade. E o que me apaixonou na história foi o facto de as três crianças estarem no centro, mas depois haver todo um universo inesgotável em torno dos três pastorinhos”, explica.

Fátima
RITA CHANTRE

Por seu lado, Lúcia mantém-se a figura central em palco – “A Lúcia resiste a tudo, ela resiste à desconfiança da população, aos maus-tratos da mãe, à incompreensão das irmãs, aos interrogatórios da Igreja. Ela resiste a tudo e é ela a árvore, a azinheira. Ao fim e ao cabo, ela é que é a árvore de Fátima”. Foi esta rapariga que viu e falou com Fátima, que nos é apresentada através de uma azinheira azul num ecrã que serve de cenário para os diferentes lugares que a história habita. Porém, ouvimos a voz dela, enquanto canta sobre a fé e o estado do mundo. Numa das cenas, podemos ver esse mesmo ecrã encher-se de chamas para introduzir um vídeo que nos mostra momentos marcantes da História, como a ascensão de Hitler ao poder, o atentado do 11 de Setembro ou a invenção da bomba atómica.

Fátima
RITA CHANTRE

Desde o primeiro momento em que o pano sobe, a música está bem presente e é o rock que impera. Até podia não parecer a escolha mais óbvia, tendo em conta o tema de que se trata a peça, mas para La Féria os acordes de guitarra, o baixo e a bateria soaram-lhe ao caminho a seguir. “Pela sua energia, pela sua rebeldia, o rock coadunava-se com este tema. Eu podia ter feito em canto gregoriano ou então com as leis do musical, com uma música mais romântica, mas há uma brutalidade no rock, uma ruralidade, uma agressividade que este tema também tem, porque a fé é uma coisa indestrutível”, acredita. 

Quando chegamos ao dia 13 de Outubro de 1917, um altar já foi colocado junto à azinheira e é lá que toda a população da aldeia da Cova da Iria se junta, depois de Lúcia anunciar que Fátima lhe disse que neste dia ia regressar, ao meio-dia. O padre da paróquia, o administrador e até um jornalista de O Século também por lá se encontram. No fundo, vemos fotografias de época, que foram cedidas pelo Santuário de Fátima, em que centenas de pessoas se ajuntaram para testemunhar o que seria apelidado de Milagre do Sol. Nesse dia, muitos acreditam ter visto Fátima e alegam que o sol brilhou mais do que o normal, tal e qual uma bola de fogo gigante.

Fátima
RITA CHANTRE

No fim, quando um altar de velas se eleva no centro do palco e surgem imagens de milhares de pessoas no Santuário de Fátima, dá que pensar como este acontecimento resistiu ao tempo e ainda move, actualmente, pessoas de todo o mundo. Mas, como disse no início, Filipe La Féria não quer provar nada, nem doutrinar ninguém. À boleia desta história, quer interrogar o público. “Todos os teatros que eu fiz, dos mais ligeiros aos mais profundos, nestes 60 anos, interrogam sempre. Porque é que somos artistas? Porque é que eu faço teatro? Porque me interrogo a mim e a este bicho da terra tão pequeno, como o diz Camões, que é o ser humano. Essa é a beleza do teatro, é o grande espelho que se põe à frente das pessoas”, remata.

Teatro Politeama. 5 Dez-12 Jan. Qua-Sex 21.00, Sáb 17.00 e 21.00, Dom 17.00. 10€-35€  

🎄Milagre de Natal – uma festa com TUDO à discrição

🏃 O último é um ovo podre: cruze a meta no Facebook, no Instagram e no Whatsapp

Últimas notícias

    Publicidade