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Bernardo Agrela saiu do fine dining e entrou no maravilhoso mundo dos kebabs, tornando-os mais do que comida tapa-buracos num espaço pequenino perto de São Sebastião. Eis o East Mambo.
Por cá, o kebab é comida de eleição para finais de noite, para curar ressacas difíceis ou para se lambuzar em dias de estrago de um plano alimentar restrito – a maior parte das vezes, portanto, é visto como junk food. Má junk food. Mas a verdade é que o kebab está presente na gastronomia de mais de uma dezena de países e, como em tudo, há uns melhores e mais respeitáveis do que outros. O chef Bernardo Agrela deixou a Cave 23, no Torel Palace, no início do ano e na altura de pensar num projecto próprio, resolveu dedicar-se aos kebabs. O East Mambo é uma “kebabaria”, uma descrição dada por um dos primeiros visitantes do espaço, ainda em soft-opening. A referência a ter é esta: “Estás a ver o Ground Burger? O Ground Burger está para o McDonald’s como eu quero estar para o Ali Baba.”
O restaurante fica no espaço de um antigo snack-bar, tem uma mesa comprida para dez pessoas e em breve terá mais quatro. A decoração é do mais simples possível, a playlist ecléctica, com aquilo que lhe apetecer ouvir no dia (tanto pode ser hip-hop como Variações) e há sempre um cheirinho a lenha e a fumo.
Escusa de pedir a carta – kebabs é fast food, e por isso exigia-se que o sítio fosse rápido. Na parede estão quatro menus: o um tem kebab e bebida (10€), ao dois acrescem as batatas com dupla fritura (12€), o três tem tudo isto e um mix de entradas (15€) e o quatro tem sopa, salada e bebida (6,50€).
Eu gosto de fazer fine dining. Menus de degustação são a minha praia. Mas os meus amigos não conseguiam ir comer muitas vezes aos sítios onde eu trabalhava e isso para mim era chato. Eles não podiam ir lá dia sim, dia não”, explica o chef, que apostou as fichas todas nos kebabs, que já andavam na sua cabeça há uns tempos (o primeiro teste foi no Simpósio Sangue na Guelra, em Maio). Mas isto também requer estudo.
"Os kebabs são uma coisa difícil de explicar”, reconhece. “No México comem-se tacos, na Turquia comem-se kebabs – e estão no mesmo paralelo. O tandoor foi inventado pelo primeiro homem a cozinhar, era um buraco no chão onde cozinhavam com brasa, punham lá os espetos e cozinhavam os animais aos pedaços”, continua. Daí, a técnica foi para a Turquia, para Israel e para o México, mas pelo meio surgiram também outras versões, como os durums. “Já houve tantas alterações, por culpa de processos de migração, que não é fácil dizeres o que é. Não há uma maneira certa ou errada de fazer as coisas, é pelo gosto da cultura onde estás a comer”, reforça.
E aqui verifica-se exactamente isso – Bernardo Agrela pode ter saído (temporariamente) do fine dining, mas as suas bases de alta cozinha estão bem enraizadas e ajudaram-no a construir kebabs do zero, com ingredientes portugueses e conjugações improváveis que criam um festim para o palato. Por enquanto tem apenas quatro, mais umas quantas sopas portuguesas (tanto há de tomate assado como uma vichyssoise de beterraba) e saladas. Os kebabs são feitos numa miniatura de um forno tandoor, uma peça em barro com caixa de areia que pesa uns 100 quilos e é uma reprodução dos tandoors indianos, com carvão e lenha sempre a arder que dão o tal cheiro fumado à sala.
Um dos kebabs leva borrego, molho agridoce, salada de pepino, chalotas, salsa, pickle de couve roxa, molho de iogurte e salada; outro tem frango tikka, gel de laranja, cebola, pickle de cenoura, maionese de caril e salada. Há um vegetariano com falafel de favas, hummus, chutney de manga e lima, mistura de frutos secos e salada (este pode ser tornado vegan, basta avisar e Bernardo troca o pão naan caseiro, que também faz no tandoor de raiz, com banha de porco e manteiga clarificada). O quarto é de gambas, que são fritas, com um molho que tem tanto de doce como de ácido, lima e uma mistura de pimentos, ananás e tomate. Sempre com uma apresentação sui generis: chegam abertos e é o cliente que os fecha, juntando as duas metades do pão e envolvendo-o com o papel em que são servidos.
No futuro, as combinações vão acrescer. Ajuda trabalhar de perto com os fornecedores – as carnes são da SEL-Salsicharia Estremocense, os legumes do Hortelão do Oeste, o peixe da banca da Açucena Veloso, o pão vegan da Miosótis.
Para beber estão a fazer águas aromatizadas e sumos naturais, há uns quantos outros petiscos como os yakitoris de spring onions e uma única sobremesa, um “lava cake” de caramelo salgado que se desmorona à primeira colherada.
Bernardo Agrela ainda não tem saudades do fine dining, mas admite que isso eventualmente pode acontecer. “Quando me fartar acho que vou ter dinheiro para dar o salto e ter uma cozinha que me permita criar mais.” Até lá, há pop-ups no horizonte e uma “dessert night” certinha já em Setembro, uma noite que contará com a presença de Rafaela Albuquerque, pasteleira da Cave 23, e onde se vai comer única e exclusivamente pratos doces.
Rua Latino Coelho, 87A (São Sebastião). Seg-Ter 12.00-15.30, Qua-Sáb 12.00-15.30/18.30-22.30.