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O Museu Nacional de Arte Contemporânea, no Chiado, em Lisboa, está transformado. A partir deste sábado, 27, e até Fevereiro, parte dele é uma réplica da casa de férias de Eileen Gray (1878-1976), a designer anglo-irlandesa que, aos 52 anos, fez uma obra que ficaria para a história da arquitectura moderna, a E.1027. A exposição-instalação, que já esteve no Texas, em Berlim, no Porto e, mais recentemente, em San Sebastián, chama-se Eileen Gray. E.1027, Arte Total, e mostra, além de uma reprodução do quarto principal da casa, uma série de peças de mobiliário da designer.
A visita começa pela sala de estar, uma sala expositiva com alguns dos móveis mais icónicos da autora, como a mesa E. 1027, ajustável e regulável. “É bastante conhecida, há imitações em todas as lojas”, nota Carolina Leite, que partilha a curadoria da exposição com Wilfried Wang e Peter Adam (que faleceu antes da mostra chegar a Portugal). É ela quem nos guia entre as peças de mobiliário, réplicas quase perfeitas, muitas delas produzidas em solo português de propósito para esta exposição. É o caso da mesa Coiffeuse, “que é uma peça que tem madeira, cortiça e alumínio e foi feita na Carvalho Batista, no Porto” ou de trabalhos de carpintaria executados pela Mobisousa, uma empresa de Oliveira de Azeméis.
Da sala imaginada atravessamos para o quarto, a jóia da exposição, concebido de forma a replicar com exactidão o quarto original que Eileen Gray criou para o seu então companheiro Jean Badovici, editor da revista L’Architecture Vivante e peça-chave para decifrar o nome de código da casa. Eis então a origem da designação E. 1027: “E” é de Eileen, “10” é a posição da letra J (de Jean) no abecedário, “2” o lugar da letra B (de Badovici), e “7” o de G (de Gray). “Ela concebe a casa para ele, oferece-lhe a casa, a casa está sempre em nome dele, nunca em nome dela”, diz Carolina. Quando Badovici morre, prematuramente, a propriedade anda de mãos em mãos: “Fica tudo para uma irmã dele, que era freira. Depois a casa vai andar perdida, tem uma história muito louca, inclusive até é o local de um assassinato, é ocupada durante a Segunda Guerra Mundial...”. Eileen Gray, conta a curadora, nunca tenta recuperar a casa, muitas vezes creditada a Gray e a Badovici, ou mesmo apenas a ele, em mais um exemplo de silenciamento feminino na História.
Tal como a casa no seu todo, também o quarto em que entramos foi concebido para Badovici. “É um quarto para um homem que ama o seu trabalho, e daí também ser um quarto onde se trabalha e dorme. Este é um conceito que para nós, depois da pandemia, é muito familiar, mas na altura não era bem assim”. O espaço que vemos entre as paredes do MNAC, reproduzido à escala 1x1, é uma divisão funcional com três zonas distintas: uma zona de descanso em que a cama (feita em Portugal pelos alunos da Faculdade de Arquitectura do Porto durante um workshop de carpintaria) não é visível de imediato para quem entra, uma zona de trabalho e ainda um espaço de lavabo.
“O quarto é a essência e resume aquilo que vão ser as preocupações de Eileen Gray ao longo da sua vida. Esta casa é a proposta de modernismo dela e de Badovici.” A busca pela optimização do espaço, questão tão premente, já o era na época, com várias mesas que rebatem, que abrem, numa tentativa de multiplicar o que é o espaço mínimo. Ao mesmo tempo, Gray revela um apreço pelas coisas mais mundanas – a banalidade é elevada. A curadora exemplifica: “Ela tem uma cadeira que é a Bibendum, que é inspirada no boneco da Michelin. É interessante como é que se faz uma peça de mobiliário icónica e pensada para um espaço profundamente elegante inspirada pelo boneco da Michelin, que é quase o oposto da elegância”.
Os visitantes que passarem pelo museu alfacinha para viajar momentaneamente até ao sul de França são convidados não só a ver, mas a manusear, a experimentar as peças. “Consideramos que já que são réplicas esta seria precisamente a oportunidade de dar a conhecer às pessoas com as mãos. É isso que se pretende na réplica à escala 1x1”, explica a curadora, que tem dedicado os últimos anos a investigar a obra da arquitecta modernista. “O objectivo é que as pessoas sintam o espaço em uso, não o espaço como uma coisa estática, ideal, mas um espaço que é para ser vivido. Por exemplo, só mesmo estando sentado na cama, olhando a vista, é que temos consciência que a janela do quarto foi pensada para dar uma vista para o infinito.”
Museu de Arte Contemporânea do Chiado (MNAC). De 27 de Novembro de 2021 a 27 de Fevereiro de 2022. Ter-Dom 10.00-18.00. 4,5€.
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