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Eis um livro de arquitectura para que também as crianças cegas possam ver como é uma casa

É um dos primeiros livros de arquitectura produzido em Portugal para pessoas cegas e com baixa visão. Mas ‘Uma Casa é uma Montanha é um Chapéu’ é também para todos os que gostam de ver o mundo de outra perspectiva.

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
Jornalista
Uma Casa é uma Montanha é um Chapéu
DRUma Casa é uma Montanha é um Chapéu
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A arquitectura é um domínio "muito visual". Nas últimas décadas, aliás, tudo passou a chegar mais aos olhos do que a qualquer outro sentido, dos néons ao Instagram. Tem de ser assim? A equipa da Trienal de Arquitetura de Lisboa (TAL) acha que não, até porque as perspectivas únicas são quase sempre formas de exclusão. Este mês lança, por isso, Uma Casa é uma Montanha é um Chapéu, um livro que começou a ser pensado há cerca de cinco anos e que é uma das primeiras publicações de arquitectura, para o público infantil, a entrar pelo terreno da acessibilidade: o texto apresenta-se em duas versões braille e letras de dimensão generosa e as ilustrações, de Yara Kono (Planeta Tangerina), juntam estímulos visuais a relevos.

É Filipa Tomaz, do serviço educativo da Trienal e que acompanhou o projecto desde o início, que conta a história de como tudo começou e por que é que começou. O Open House Lisboa, que abre portas a espaços (de igrejas a apartamentos) normalmente fechados na cidade, será a actividade de maior proximidade e com maior projecção da Trienal. "Na edição de 2017, fizeram-se as primeiras visitas acessíveis", para dar a "ver" estes espaços, através de descrições cuidadas e do privilégio ao tacto (através da produção de materiais de apoio e recurso a várias texturas) a pessoas cegas ou com baixa visão, "numa outra perspectiva da arquitectura". A pergunta surgiu não muito tempo depois: não se poderia fazer o mesmo com um livro?

A organização Locus Acesso (Fátima Alves) ajudou, Filipa e a colega Letícia do Carmo lançaram-se ao texto e a ilustração ganhou velocidade. Entre 2019 e 2024, tudo se foi montando, numa infinidade de ajustes que culminou na impressão (obra da gráfica Maiadouro, da Maia), página a página, chapa contra papel, por prensagem. O resultado chegou agora às livrarias e quer circular muito entre mãos, em escolas e bibliotecas, já que o livro é "uma ferramenta de educação pela arquitectura", nas palavras de Filipa Tomaz.

A perspectiva, o abrigo, o lugar social 

Nesta história, a casa tem um telhado, duas águas e “uma porta que é uma boca”. Lembra uma montanha, mas também um chapéu. Vemo-la de diferentes perspectivas, em várias escalas, quais arquitectos em construção. Reconhecemos-lhe a maçaneta, entramos. Percebemos que é um abrigo, mas também um lugar social, onde se preparam refeições e se conversa. Entendemos que, como nós, a casa tem vias por onde entram e saem líquidos, um sistema circulatório das habitações, que seguimos com os olhos ou com o dedo, lembrando os manuais do corpo humano.

Uma Casa é uma Montanha é um Chapéu
DRUma Casa é uma Montanha é um Chapéu

Do lado de fora, pode ficar uma horta, um campo, um cão, mas também outro prédio, um cinema, uma praça, uma cidade. Como nós, a casa é indivíduo e faz parte do colectivo. Como nós, abre e fecha, de acordo com os humores. “Andamos sempre entre o zoom in e o zoom out, porque é assim que se fala na arquitectura também”, descreve Filipa Tomaz, enquanto conhecemos o projecto.

Em formato A4, para que lá caibam as mãos são elas que vão descobrir muito de cada página , e argolado, para ser mais fácil de manusear, Uma Casa é uma Montanha é um Chapéu tem também uma narrativa que se desdobra em várias camadas, conduzindo o leitor para fora do objecto. A partir da figura da horta podemos falar de alimentação ou, saindo da cozinha, lembramos aquele jantar no dia em que os avós vieram de longe. “Dá para ver o mundo por aqui”, garante Filipa.

Se dá para todos os assuntos, também “dá para todas as idades e todas as pessoas, até para adultos”, nota a responsável do serviço educativo. Embora o livro possa ser lido em conjunto, ser-se acompanhado não é absolutamente necessário. “Esta é uma das características que o distingue de outros livros adaptados." Outra, já do lado da produção, é que foi “um projecto muito dispendioso”. Com uma edição de 1500 exemplares, sem apoios, a unidade custaria cerca de 60 euros, o que só tornaria o projecto acessível no papel. Com as contribuições vindas de um crowdfunding, da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Fundação Millenium BCP e da Direção-Geral das Artes, o valor passou a metade.

Finalista dos prémios New European Bauhaus em 2023 e com distinções a caminho, acredita Filipa Tomaz, Uma Casa é uma Montanha é um Chapéu está disponível em quatro livrarias da Grande Lisboa (a It’s a Book, em Arroios; a Ler, em Campo de Ourique; a RG Livreiros, de Cascais; e a setubalense Culsete).

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