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O toldo às riscas é, no mínimo, intrigante. A Loja das Congeladas, como se apresenta o estabelecimento em questão, é na verdade um atelier de ilustração – a arte a meio caminho, onde Catherine Boutaud e Henriette Arcelin se encontraram no final do ano passado. Aqui, entre móveis antigos, castiçais de loiça e papel (muito papel) trabalham duas francesas que há muito fizeram de Lisboa a sua casa.
Catherine foi a primeira a chegar – a Portugal e a este espaço. “Estou cá há 15 anos. Vim com formação em Ilustração e Desenho, mas senti que queria experimentar mais formas de comunicar e exprimir as coisas”, conta. Entrou para o Ar.Co, fez o curso de Cinema e Imagem em Movimento e dedicou-se aos documentários. Em 2017, ganhou a competição Novíssimos do IndieLisboa com a curta-metragem Corpos que Pensam. O cinema nunca foi embora, mas os últimos anos foram de reaproximação à ilustração, sobretudo na forma de gravura e serigrafia.
“Adorei este espaço no primeiro dia em que o vi. Era uma loja de congelados. Falei logo com a Henriette. Não sendo uma amiga muito próxima, admirava muito o trabalho dela”, continua. Mas a ilustradora (e ceramista) já estava instalada. Só há um ano e meio depois é que o telefone voltou a tocar. “Acho super interessante estarmos as duas juntas. Por virmos de backgrounds completamente diferentes e porque cada uma desenvolveu as suas técnicas. Temos muito a aprender uma com a outra”, refere Henriette.
De Paris para Londres, Arcelin somou às Belas-Artes a curiosidade em torno da cerâmica. “Acho que o meu trabalho parte sempre da matéria, só depois vem a ideia e a forma de criar. Por isso é que me interessei tanto pela cerâmica – é super rica, existem tantas pastas, tantos efeitos de vidrado. Vim para estudar cerâmica no Ar.Co. Depois, aos poucos, voltei a desenhar”, explica.
Há serigrafias, gravuras e risografias à venda – os preços vão dos dez aos 60 euros –, mesmo que este seja, na essência, “um espaço de trabalho, segundo Henriette, mas também “uma espécie de prolongamento da casa” para Catherine. “Somos um bocadinho acumuladoras. Ou seja, encontrei uma pessoa que é como eu, que tem a mesma ternura pelos objectos”, afirma a primeira.
Por estes dias, trabalham quase sempre desencontradas, ainda que unidas pela manualidade, cultivam um interesse recente pela ilustração científica e declaram o mesmo amor às mais diversas técnicas de impressão manual. “Gosto de processos longos, demorados e físicos. É o caso da serigrafia, mas da cerâmica também”, acrescenta Boutaud.
Henriette Arcelin – nome que encontramos associado às intervenções nos restaurantes Selllva e Bairro do Avillez, mas também às vendas pop-up de Felipa Almeida – divide-se entre os ateliers da Viúva Lamego e a Loja das Congeladas. Está a trabalhar num novo painel de azulejo encomendado em França, enquanto se prepara para desenhar o seu primeiro rótulo para uma garrafa de vinho.
Fevereiro já vai sendo altura de começar a pensar nos cartazes comemorativos do 25 de Abril. Os do ano passado estão bem visíveis, mal entramos no atelier. O papel e as cores são escolhidas em conjunto para que estas peças ilustradas dialoguem entre si – a de Henriette muito mais dada ao detalhe, a de Catherine de traço mais cheio e naïf na forma como alude à liberdade. Para depois, ficam só as ideias de organizar workshops, o que nunca passará por uma agenda intensiva.
“Este nunca vai ser um sítio sempre aberto ao público. Temos o nosso trabalho pessoal, que queremos continuar, mas também queremos partilhar esta paixão e passar algum conhecimento”, remata Arcelin. Quanto aos dias de sol que estão por vir, a dupla não hesita – abre-se o toldo, monta-se uma mesa à porta e traz-se a cerveja.
Rua Nogueira e Sousa, 21 (Avenida da Liberdade). Visitas por marcação