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‘Elden Ring: Shadow of the Erdtree’. O mundo cruel de Miyazaki

Hidetaka Miyazaki cria mundos virtuais inóspitos desde 2009. Mas ‘Shadow of the Erdtree’, a nova e vasta expansão de ‘Elden Ring’, é o seu trabalho mais excludente.

Luís Filipe Rodrigues
Editor
Elden Ring – Shadow of the Erdtree
DRElden Ring – Shadow of the Erdtree
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No geral, os jogos de vídeo são hoje mais acessíveis e inclusivos do que eram há 15 anos. É o resultado de um trabalho continuado e louvável por parte da generalidade dos agentes do sector – dos grandes estúdios aos criadores independentes – que passaram as últimas duas décadas a esforçar-se para expandir a potencial audiência destes objectos culturais. Mas Hidetaka Miyazaki e a sua FromSoftware não parecem interessados nisso – antes pelo contrário. Desde o lançamento de Demon’s Souls, em 2009, que se dedicam a criar mundos virtuais progressivamente mais inóspitos, com histórias difíceis de decifrar e povoados por inimigos que não olham a meios para repelir o jogador. E a recém-editada expansão de Elden Ring, Shadow of the Erdtree, é capaz de ser a mais inacessível das suas criações.

Talvez não seja menos acessível, apenas a que mais se esforça para alienar o seu público. Elden Ring, o último jogo de Miyazaki, foi um inesperado sucesso, tão aclamado pela crítica e pelo grande público, como bem-sucedido comercialmente, tornando-se um dos jogos mais vendidos de sempre – algo até então inconcebível para este autor de culto japonês. É difícil não correlacionar este êxito com a sua maior acessibilidade. O clássico de 2022 mantinha a dificuldade extrema, a arquitectura punitiva e os adversários aparentemente intransponíveis, mas a trasladação da acção para um mundo vasto e aberto – em oposição aos corredores estreitos do passado – tornava mais fácil evitar confrontos e dava uma maior liberdade ao jogador. O mundo não deixava de ser inóspito, porém podia ser explorado com outra calma e confiança. Com paciência e empenho, até os menos habilidosos conseguiam ir longe.

Ainda assim, nem um quinto dos 25 milhões de pessoas que compraram Elden Ring viu os créditos finais. Alguns milhões não passaram sequer da área inicial – estes números são públicos; as taxas de sucesso podem ser consultadas nas plataformas digitais em que foi lançado (PlayStation, Steam, Xbox). Ora, para jogar a expansão é preciso ter chegado ao fim do original. E vencer dois inimigos até agora opcionais e particularmente duros de roer. Enquanto outros programadores fazem o que podem e sabem para alcançar mais gente, o iconoclasta de Shizuoka trabalhou horas-extra para afunilar a sua audiência e garantir que só uma fracção dos compradores do anterior opus da FromSoftware podia visitar a sua mais recente câmara de tortura digital. E aumentou exponencialmente a dificuldade dos desafios encontrados por quem lá entrar, garantindo uma experiência mais frustrante do que nunca.

Há quem goste disto. Sobretudo os tipos mais reaccionários – que não encaram com bons olhos a democratização dos videojogos; que dão primazia à vertente lúdica ou competitiva, em detrimento da narrativa. Para alegria destes homens, o japonês dificilmente vai mudar. Não cria histórias para assistirmos, mas desafios para superarmos. Os objectos criados por ele e pelas equipas que lidera estão mais próximos dos jogos de luta e desportos virtuais do que das aventuras narrativas com que partilham a generalidade dos tropos e mecânicas. São tão injustos e desagradáveis como o nosso quotidiano. Recentemente, Hidetaka Miyazaki confessava ao diário britânico The Guardian ter “sempre sentido que o mundo era um lugar bastante árduo”. O seu corpo de trabalho reflecte essa mundividência.

É pena. Porque poucos videojogos têm a mesma aura e misterioso apelo; e menos ainda são feitos com semelhante dedicação e cuidado. Porque ninguém tem coragem de contar histórias da mesma forma, quase ambiental; escondendo detalhes e episódios importantes nos pequenos textos que descrevem as armas e outros objectos, em diálogos com opcionais com figurantes e personagens terciários, em linhas que quase ninguém vai ler – o que se passa em Shadow of the Erdtree encontra-se, não obstante, menos ofuscado do que em obras anteriores. Porque, estética e arquitectonicamente, Elden Ring e sobretudo esta expansão são as suas obras-primas, ao mesmo tempo sumptuosas e repelentes. 

Mas principalmente porque os mundos em ruínas que o director passou os últimos 15 anos a criar rimam cada vez mais com o mundo em ruínas que habitamos. Podiam ser objectos inspiradores e mesmo emancipadores, como faróis numa noite escura. Talvez noutra época, noutra vida. Esta, contudo, foi e cruel para Miyazaki. E ele reflecte essa crueldade de volta.

Disponível apra PC, PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series X/S

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