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Eles trocaram a noite por um brunch sem tabus

Há brunch no novo restaurante de Arroios, mas esqueça a tosta de abacate e a granola com fruta. No Canto, tudo leva um twist.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
O chefe de sala Marco Cossu e o chef Vitor Hugo
© Francisco Romão PereiraO chefe de sala Marco Cossu e o chef Vitor Hugo
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A equipa é internacional, o chef português e o conceito do contra. Quem nos recebe, e faz a apresentação do espaço, é o italiano da Sardenha Marco Cossu, ou Mark O’lyn se o apanhar por aí a pôr música. Diz que, quando chegou a Portugal, apaixonou-se por Lisboa à primeira vista. As razões, essas, são inúmeras, clima, pessoas e gastronomia incluídos. Agora, espera que o Canto faça parte de tudo isso, sobretudo para a vizinhança. “Somos todos pessoas da noite, mas estávamos cansados de acabar de trabalhar às duas, três da manhã. Queríamos uma vida mais tranquila, com a mesma funkiness”, revela o nosso anfitrião e chefe de sala. Com “todos”, Marco refere-se a si e ao chef, o lisboeta Vitor Hugo, além dos proprietários, o inglês Jason Quick e o polaco Jacob Kowalewski. “A ideia é oferecer um lugar diferente para estar, comer e conviver, onde tens ovos, tostas abertas e outras opções de brunch, mas servidas de uma forma diferente. Por exemplo, há granola em todo o lado, mas aqui a granola é salgada e não vem com fruta, vem com iogurte grego com puré de cenouras assadas e azeite de lúcia-lima.”

Canto – Anti-brunch
© Francisco Romão PereiraCanto – Anti-brunch

Quando chegamos, a primeira coisa em que reparamos é que o restaurante está de facto a um canto, na esquina da Rua Particular à Rua Sebastião Saraiva Lima, número 17. Depois, a fachada verde-menta e a mascote, um pombo em calçada portuguesa. A seguir, a esplanada, a encher, e o interior, a compôr-se também. A família do chef está presente, a provar pratos, e Vitor Hugo anda entre a cozinha e a sala, com ar de quem tem mais que fazer. Marco aproveita para nos mostrar os cantos à casa e dar a palavra a Jacob, um dos co-proprietários. “Antes de vir para Portugal, vivi três anos em Berlim, onde senti falta do que me faz feliz: boa comida e bom tempo. Lisboa tem ambas em abundância”, diz. O sotaque é britânico, fruto de uma década em Londres e de uma carreira internacional, na área do marketing e dos negócios. “Quando visitei a cidade pela primeira vez, em duas horas decidi mudar-me para cá. O resto é história.”

Canto Anti-Brunch
© Francisco Romão PereiraCanto Anti-Brunch

Criar um espaço onde as pessoas se sintam confortáveis, aconchegadas e se divirtam é a ambição de Jacob, que destaca o chef e a sua paixão genuína pela cozinha. “Conhecemo-lo através de um dos contactos do Jason e ele é incrivelmente talentoso”, assegura. “Há chefs para quem isto é apenas um trabalho e outros um estilo de vida, e depois há aqueles que são simplesmente apaixonados pelo que fazem e não importa se estão a cozinhar um jantar de 21 pratos ou apenas a fazer manteiga e torradas, porque o amor é o mesmo. E, atenção, um brunch é uma espécie de tabu entre chefs. Mas com o Vitor desde o início que sabíamos que ele ia pôr toda a sua criatividade e energia nisto, sem cedências. Ele ou diz que não, ou manda-nos bugiar ou diz que sim e é com o coração, a alma, tudo.”

Ovos no forno
© Francisco Romão PereiraOvos no forno (8,50€), com tomate, pecorino, stracciatella di burrata e manjericão

No Canto, a cozinha está aberta a partir das 09.00 e a essa hora tanto é possível comer panquecas fofas (5,50€), com mel de rosmaninho, creme fraîche e mirtilos, e ovos no forno (8,50€), com tomate, pecorino, stracciatella di burrata e manjericão, como salsichas frescas de vitela (8€), servidas com ovo frito, creme de estragão e pimenta, e batata frita canto. “Demoram 48 horas a preparar. É um mil-folhas de batata, com sal de ervas, pimenta e manteiga clarificada. Dá muito trabalho, mas eu sabia que toda a gente ia gostar disto à brava”, revela o chef, entre risos, consciente da “empreitada” em que se meteu. “A verdade é que trabalhei à noite durante muitos anos e não estou habituado a isto ainda, mas moramos todos aqui na zona e queremos dinamizar o bairro. Muito do nosso produto é local. Vamos ali ao talho halal, o Andaluzia, e eu dou-lhes a minha receita de salsichas. Eles já fazem de merguez, que é uma cena do norte de África, mas as minhas são de vitela, então eles compram vitela só para me fazerem as salsichas.”

Panquecas fofas
© Francisco Romão PereiraPanquecas fofas (5,50€), com mel de rosmaninho, creme fraîche e mirtilos

Para Vitor, pensar na carta foi tão divertido quanto é agora colocá-la em prática. Não é o maior fã do conceito de brunch, ou da ideia que os clientes têm do que um brunch deve ser, confessa. Por exemplo, faz uma tosta de salmão fumado (13€), com espinafres e agrião baby, molho de lima e caviar de avruga, mas dá-lhe muito mais gozo o seu pica pau de atum (9€), com chips de mandioca e molho de soja e gengibre. Quando o sugeriu à equipa, torceram todos o nariz: bastou provar para ficarem convencidos.

“Eu disse-lhes ‘sosseguem, que vocês não percebem nada disto, eu é que sei’ e fiz o meu pica pau com chips de mandioca. Toda a gente faz de batata doce e já ninguém pode com essa merda”, provoca, antes de partilhar outro segredo. “A salada que vocês provaram era a que eu achava que ia sair menos. É a que sai mais.” É de pepino e rabanete melancia em nuoc-mam (11€), com abacate, granola salgada e molho de iogurte grego e sate. A dose, essa, é generosa. Vitor Hugo faz questão que ninguém saia com fome – nem os cães, que têm um prato pensado só para eles: a “cãomida” (2,50€), uma terrine de rabo de boi e legumes (a carne bovina é, ao que parece, a melhor carne para amigos de quatro patas).

Pica pau de atum com chips de mandioca
© Francisco Romão PereiraPica pau de atum (9€), com chips de mandioca e molho de soja e gengibre

Além dos pratos já mencionados, que pode acompanhar com kombuchas artesanais (3€) ou sumos prensados frescos (5€), Vitor destaca também o cachaço de porco fumado no forno “baixo” em brioche (13€) e o rosbife de vitela em brioche (15€), que contrastam com as opções mais leves como as várias propostas de tostas abertas em massa mãe, as saladas e os ovos. Entretanto, há-de pensar em novos pratos para o Verão, com muitas cores, texturas e acidez, que combinem com os smoothies (5€) e os cocktails (7,50€) bem frescos. Já para o Inverno, apesar de ainda faltar, também tem algumas ideias: quer muitas castanhas, cogumelos e produtos com tons terra. “Coisas compostas, que ponhas na boca e que, além de te aquecer, te acalme e se faça sentir no estômago”, explica. “Mais para a frente, também queremos fazer jantares, que é mais a minha cena. Há muitas técnicas que num brunch não consigo pôr em prática, mas num jantar dá para esticar a corda. Sei lá, fazer umas chamuças de pato ou um camarão marinado com creme de ervilha e lardo, por exemplo.” 

Salada de pepino e rabanete melancia em nuoc-mam
© Francisco Romão PereiraSalada de pepino e rabanete melancia em nuoc-mam (11€), com abacate, granola salgada e molho de iogurte grego e sate

Se ainda tiver espaço para sobremesa, há cinco à escolha: pêra escalfada em açafrão e porto branco, com mascarpone e manjericão (4,50€); creme brûlée de matcha (5€); demi cuit de caramelo e gelado de framboesa (6,50€); um “goldie” de manteiga de amendoim e iogurte grego com coulis de chuchu (5€) e uma “tigelada” de fruta com mel de rosmaninho (5€). Mas, atenção, nunca se sabe quando mudam. “Penso que este menu é uma primeira versão. Que a visão do chef vai continuar a evoluir e a mudar”, promete Jacob. “E já andámos a experimentar alguns pratos novos de que gostámos muito. É um processo contínuo: explorar novas ideias.” Vitor Hugo subscreve: “Para mim, uma cozinha não é uma cozinha. É o meu espaço de criação.”

Rua Sebastião Saraiva Lima, 17. Qua-Sáb 09.00-17.00

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+ João Sá é o chef do futuro para a Academia Internacional de Gastronomia

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