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A equipa é internacional, o chef português e o conceito do contra. Quem nos recebe, e faz a apresentação do espaço, é o italiano da Sardenha Marco Cossu, ou Mark O’lyn se o apanhar por aí a pôr música. Diz que, quando chegou a Portugal, apaixonou-se por Lisboa à primeira vista. As razões, essas, são inúmeras, clima, pessoas e gastronomia incluídos. Agora, espera que o Canto faça parte de tudo isso, sobretudo para a vizinhança. “Somos todos pessoas da noite, mas estávamos cansados de acabar de trabalhar às duas, três da manhã. Queríamos uma vida mais tranquila, com a mesma funkiness”, revela o nosso anfitrião e chefe de sala. Com “todos”, Marco refere-se a si e ao chef, o lisboeta Vitor Hugo, além dos proprietários, o inglês Jason Quick e o polaco Jacob Kowalewski. “A ideia é oferecer um lugar diferente para estar, comer e conviver, onde tens ovos, tostas abertas e outras opções de brunch, mas servidas de uma forma diferente. Por exemplo, há granola em todo o lado, mas aqui a granola é salgada e não vem com fruta, vem com iogurte grego com puré de cenouras assadas e azeite de lúcia-lima.”
Quando chegamos, a primeira coisa em que reparamos é que o restaurante está de facto a um canto, na esquina da Rua Particular à Rua Sebastião Saraiva Lima, número 17. Depois, a fachada verde-menta e a mascote, um pombo em calçada portuguesa. A seguir, a esplanada, a encher, e o interior, a compôr-se também. A família do chef está presente, a provar pratos, e Vitor Hugo anda entre a cozinha e a sala, com ar de quem tem mais que fazer. Marco aproveita para nos mostrar os cantos à casa e dar a palavra a Jacob, um dos co-proprietários. “Antes de vir para Portugal, vivi três anos em Berlim, onde senti falta do que me faz feliz: boa comida e bom tempo. Lisboa tem ambas em abundância”, diz. O sotaque é britânico, fruto de uma década em Londres e de uma carreira internacional, na área do marketing e dos negócios. “Quando visitei a cidade pela primeira vez, em duas horas decidi mudar-me para cá. O resto é história.”
Criar um espaço onde as pessoas se sintam confortáveis, aconchegadas e se divirtam é a ambição de Jacob, que destaca o chef e a sua paixão genuína pela cozinha. “Conhecemo-lo através de um dos contactos do Jason e ele é incrivelmente talentoso”, assegura. “Há chefs para quem isto é apenas um trabalho e outros um estilo de vida, e depois há aqueles que são simplesmente apaixonados pelo que fazem e não importa se estão a cozinhar um jantar de 21 pratos ou apenas a fazer manteiga e torradas, porque o amor é o mesmo. E, atenção, um brunch é uma espécie de tabu entre chefs. Mas com o Vitor desde o início que sabíamos que ele ia pôr toda a sua criatividade e energia nisto, sem cedências. Ele ou diz que não, ou manda-nos bugiar ou diz que sim e é com o coração, a alma, tudo.”
No Canto, a cozinha está aberta a partir das 09.00 e a essa hora tanto é possível comer panquecas fofas (5,50€), com mel de rosmaninho, creme fraîche e mirtilos, e ovos no forno (8,50€), com tomate, pecorino, stracciatella di burrata e manjericão, como salsichas frescas de vitela (8€), servidas com ovo frito, creme de estragão e pimenta, e batata frita canto. “Demoram 48 horas a preparar. É um mil-folhas de batata, com sal de ervas, pimenta e manteiga clarificada. Dá muito trabalho, mas eu sabia que toda a gente ia gostar disto à brava”, revela o chef, entre risos, consciente da “empreitada” em que se meteu. “A verdade é que trabalhei à noite durante muitos anos e não estou habituado a isto ainda, mas moramos todos aqui na zona e queremos dinamizar o bairro. Muito do nosso produto é local. Vamos ali ao talho halal, o Andaluzia, e eu dou-lhes a minha receita de salsichas. Eles já fazem de merguez, que é uma cena do norte de África, mas as minhas são de vitela, então eles compram vitela só para me fazerem as salsichas.”
Para Vitor, pensar na carta foi tão divertido quanto é agora colocá-la em prática. Não é o maior fã do conceito de brunch, ou da ideia que os clientes têm do que um brunch deve ser, confessa. Por exemplo, faz uma tosta de salmão fumado (13€), com espinafres e agrião baby, molho de lima e caviar de avruga, mas dá-lhe muito mais gozo o seu pica pau de atum (9€), com chips de mandioca e molho de soja e gengibre. Quando o sugeriu à equipa, torceram todos o nariz: bastou provar para ficarem convencidos.
“Eu disse-lhes ‘sosseguem, que vocês não percebem nada disto, eu é que sei’ e fiz o meu pica pau com chips de mandioca. Toda a gente faz de batata doce e já ninguém pode com essa merda”, provoca, antes de partilhar outro segredo. “A salada que vocês provaram era a que eu achava que ia sair menos. É a que sai mais.” É de pepino e rabanete melancia em nuoc-mam (11€), com abacate, granola salgada e molho de iogurte grego e sate. A dose, essa, é generosa. Vitor Hugo faz questão que ninguém saia com fome – nem os cães, que têm um prato pensado só para eles: a “cãomida” (2,50€), uma terrine de rabo de boi e legumes (a carne bovina é, ao que parece, a melhor carne para amigos de quatro patas).
Além dos pratos já mencionados, que pode acompanhar com kombuchas artesanais (3€) ou sumos prensados frescos (5€), Vitor destaca também o cachaço de porco fumado no forno “baixo” em brioche (13€) e o rosbife de vitela em brioche (15€), que contrastam com as opções mais leves como as várias propostas de tostas abertas em massa mãe, as saladas e os ovos. Entretanto, há-de pensar em novos pratos para o Verão, com muitas cores, texturas e acidez, que combinem com os smoothies (5€) e os cocktails (7,50€) bem frescos. Já para o Inverno, apesar de ainda faltar, também tem algumas ideias: quer muitas castanhas, cogumelos e produtos com tons terra. “Coisas compostas, que ponhas na boca e que, além de te aquecer, te acalme e se faça sentir no estômago”, explica. “Mais para a frente, também queremos fazer jantares, que é mais a minha cena. Há muitas técnicas que num brunch não consigo pôr em prática, mas num jantar dá para esticar a corda. Sei lá, fazer umas chamuças de pato ou um camarão marinado com creme de ervilha e lardo, por exemplo.”
Se ainda tiver espaço para sobremesa, há cinco à escolha: pêra escalfada em açafrão e porto branco, com mascarpone e manjericão (4,50€); creme brûlée de matcha (5€); demi cuit de caramelo e gelado de framboesa (6,50€); um “goldie” de manteiga de amendoim e iogurte grego com coulis de chuchu (5€) e uma “tigelada” de fruta com mel de rosmaninho (5€). Mas, atenção, nunca se sabe quando mudam. “Penso que este menu é uma primeira versão. Que a visão do chef vai continuar a evoluir e a mudar”, promete Jacob. “E já andámos a experimentar alguns pratos novos de que gostámos muito. É um processo contínuo: explorar novas ideias.” Vitor Hugo subscreve: “Para mim, uma cozinha não é uma cozinha. É o meu espaço de criação.”
Rua Sebastião Saraiva Lima, 17. Qua-Sáb 09.00-17.00
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+ João Sá é o chef do futuro para a Academia Internacional de Gastronomia