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Em Chelas olha-se para arte – e para os outros

Junto ao Parque da Bela Vista instalou-se mais um contentor do programa CAM em Movimento. A obra é do artista António-Pedro e de vários moradores de Chelas.

Joana Moreira
Escrito por
Joana Moreira
Jornalista
Contentor Bela Vista
Francisco Romão Pereira
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Numa rua pacata e residencial em Chelas está instalado um contentor marítimo. No exterior há vários orifícios, sempre aos pares, que desafiam a ceder ao instinto: olhar para o interior. Lá dentro mostra-se gente, lugares, histórias e memórias ligadas aos bairros circundantes, numa instalação multimédia do artista António-Pedro, da Companhia Caótica, e de moradores da freguesia lisboeta.

É mais uma das obras do projecto do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian (CAM), que desde Outubro coloca contentores marítimos em locais públicos da cidade com obras pensadas para estes espaços. O projecto acontece enquanto decorrem as obras de remodelação e ampliação do CAM, que deverá reabrir no próximo ano. 

4 Olhos/4 Odju é o nome da obra de vídeo e som que, tal como os primeiros aparelhos cinematográficos, como o cinetoscópio, exige que se olhe pelas aberturas do exterior para usufruir da experiência artística. Nas palavras de António-Pedro, o objectivo é cruzar “o olhar de quem não vai ao CAM, com o olhar de quem não vai ao bairro”. “As pessoas para além de verem a peça podem ver os olhos dos outros a olhar. A minha ideia era também imaginar que podia haver duas comunidades, as comunidades que são de fora, as que são de dentro, ou mesmo as comunidades que convivem cá dentro, a olharem-se também. Para além de olharem a peça, olharem-se uns aos outros”, descreve à Time Out. 

Contentor CAM
Francisco Romão Pereira

São cinco pequenas curtas-metragens exibidas de forma contínua no interior do contentor, coberto por um mural executado por Wilson Lopes, inspirado pelos protagonistas dos vídeos.

Para chegar ao resultado final, que ficará ali, a dois passos do Parque da Bela Vista, até ao final de Dezembro, António-Pedro contou com a colaboração de Nuno Varela, das associações Chelas é o Sítio, Rimas ao Minuto e Estúdio Kriativu, bem como um grupo de trabalho de residentes da zona. “Não conhecia a comunidade, conheci pela primeira vez quando a Gulbenkian me trouxe cá”, admite. “Foi difícil, porque também se tentaram formas novas de abordar esta arte comunitária. Normalmente este tipo de trabalhos faz-se com mediadores que estão no local, mas que também são exteriores de alguma maneira. Fazem a ponte entre quem está de fora e quem está de dentro. Aqui não houve essa figura. Fui eu e a minha equipa, da Caótica, que está a produzir, directamente com as várias associações e grupos informais que fomos encontrando”, recorda.

Contentor CAM
Francisco Romão PereiraG Fema e Beatriz

Beatriz Lopes faz parte desse “núcleo duro” que durante três meses construiu a peça agora revelada. “Para mim foi óptimo porque eu não conhecia muita gente aqui do bairro”, diz a jovem de 18 anos à Time Out. “Era muito casa-escola, escola-casa. Foi bom juntarmo-nos todos, pessoas da comunidade, para fazer uma obra nossa, daqui, da zona. Isso foi muito importante”. Nos filmes, os planos da Feira do Relógio são seus, admite orgulhosa. “É uma coisa muito presente na zona. Há todos os domingos, as estradas ficam fechadas, eu vou muitas vezes com a minha mãe, é uma coisa muito presente na minha vida”, conta. 

Já a rapper G Fema produziu um tema de propósito para a obra do CAM. “Foi muito fixe para mim. Eu sou do bairro, sou de Chelas, e vi Chelas com outros olhos", recorda. Criou uma música inspirada na peça, com o mesmo nome. “Quatro olhos quer dizer os meus olhos e os teus olhos a encontrarem-se e toda essa emoção”, explica. “A letra mostra como se vê o bairro. Há muita discriminação e essas coisas todas, mas eu retratei na música não só isso.”

Arte contentor CAM
Francisco Romão Pereira

“Vital” é como António-Pedro descreve a importância de iniciativas como esta, que trazem a arte para fora das instituições. “Ou se faz isso ou a arte transforma-se numa coisa tão desligada das pessoas que corre o risco de perder o sentido”, alerta o músico-cineasta. “A arte ganhar espaço na rua, conquistar o espaço público, é um movimento muito importante, até porque é um espaço supostamente mais democrático do que os grandes mausoléus que são os museus e os grandes centros culturais, onde grande parte da população não entra.

Chelas. Até 31 de Dezembro. Entrada livre.

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