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Quem chega em cima da hora, corre pela estação e entra na carruagem dois segundos antes que a porta se feche nem vai dar por ela. Mas quem perde o comboio, ou tem de esperar por ele, tem tempo para ver a arte que cobre o exterior de algumas carruagens das linhas de Sintra e Cascais. A convite do Centro de Arte Moderna (CAM) da Fundação Calouste Gulbenkian, numa parceria com a CP, dois artistas criaram a seu belo prazer sobre dois comboios, cada um com quatro carruagens, que começaram a circular na última semana e continuarão pelo menos até ao final do ano.
As intervenções integram-se no projecto CAM em Movimento. “Na raiz deste projecto está o desejo de estabelecer o contacto com os públicos que desejamos receber quando reabrirmos o edifício”, disse aos jornalistas Benjamin Weil, o curador e crítico francês que foi escolhido em Dezembro para dirigir o CAM. “Este momento de transição parece-nos ser o ideal para experimentar novas formas de exposição em locais públicos. Uma vez que o CAM está fechado estamos a estender a mão a potenciais visitantes. Queremos que a experiência de arte faça parte da vida de todos”. O centro está encerrado há mais de um ano para obras de remodelação e ampliação e deverá abrir em 2022.
Até lá, há duas obras de arte em movimento em Lisboa. Uma delas é de Didier Fiúza Faustino, que revestiu o comboio de tatuagens quando chegou a hora de dar “uma pele nova” às carruagens. “O comboio para mim tem esta ideia de transportar várias histórias, vários momentos da vida, e a forma como eu queria juntar isso era pôr esses elementos pessoais e íntimos visíveis, como se o comboio fosse um testemunho de várias de centenas de histórias individuais”, explicou o artista francês. Âncoras, facas e estrelas são alguns dos elementos presentes, desenhos que, admitiu, “foram feitos uns dias antes”. “São tatuagens super simples com os temas mais comuns, nada de especial. Uma forma ordinária que se forma em extraordinária”, rematou. A obra tem por nome Tatuagem e levará os passageiros que circulam na linha de Sintra.
Outra obra que vai circular na paisagem lisboeta é a de Fernanda Fragateiro. A artista portuguesa recuperou uma peça de 2014 da sua série Não ligar. “Quando me convidaram para este projecto foi automático usar essa peça, também porque no fundo acaba por ser uma metáfora daquilo que o comboio é. O que é que o comboio faz? O comboio liga dois pontos”, explicou, lembrando o processo de construção da peça, que foi feita com várias bobines de fios de seda coloridos, cada um com dez metros. “A peça é construída desenrolando cada uma das bobines, esticando cada fio de dez metros, encostando cada fio um ao outro mantendo-os em tensão e essa é a escultura, que depois foi fotografada e dá origem a esta imagem”, recordou. A escultura fotografada está actualmente instalada na sede da delegação do Reino Unido da Fundação Gulbenkian, em Londres.
As linhas coloridas, que andarão entre Cascais e o Cais do Sodré, são também uma espécie de antídoto que pretende contrariar as mensagens que habitualmente ocupam o exterior das carruagens. “Era importante para mim trazer uma imagem bastante silenciosa e não objectiva porque o espaço público está carregado de mensagens. Muitas delas têm um carácter mercantil, de vender o melhor dos mundos a que normalmente não podemos aceder. Eu queria fazer o oposto disso. Trazer uma imagem não objectiva e que rompesse com essa lógica de que somos o povo da mercadoria”, reconheceu. A artista natural do Montijo admitiu perceber os motivos que levam a CP vender o seu espaço para publicidade, no entanto, quis “oferecer às pessoas, a quem usa o comboio, esse momento de liberdade, de não estarmos a ser confrontados com uma imagem que nos diz como é que temos de viver, como é que temos de pensar”.
Depois dos comboios, os contentores
A programação “fora de portas” do CAM também se faz com contentores marítimos que vão ser espalhados pela cidade, numa parceria com a Câmara Municipal de Lisboa. O primeiro está já escondido nos jardins da fundação, do lado da Avenida de Berna. Dentro de um contentor azul sobre a relva mostram-se vídeos da colecção do CAM, com obras dos artistas João Onofre, Lida Abdul, Pedro Barateiro e Fernando José Pereira. O uso de máscara é obrigatório no interior, onde não podem estar mais do que seis pessoas.
Os próximos contentores serão instalados em Novembro, também ao ar livre, um na praça Fonte Nova, em Benfica, e o outro na zona da Ribeira das Naus, com obras de Rui Toscano e Carlos Bunga, respectivamente.
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