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Em São Domingos de Benfica, andou meio bairro a mostrar as cuecas. Porquê?

Joana Valente partilhou uma fotografia de um estendal num grupo de moradores no Facebook. Causou indignação. Em solidariedade, alguns decidiram partilhar os seus próprios estendais.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
Jornalista
Cuecas nos entendais de São Domingos de Benfica
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Cuecas. Usamo-las, lavamo-las, estendemo-las. Há também quem as passe a ferro. Por norma, não é coisa que se discuta com outras pessoas. E se não costuma ser tópico entre amigos ou família, ainda menos o será com vizinhos. Por mais estranho ou inusitado que pareça, foi no Facebook, num grupo de moradores de São Domingos de Benfica que, sem querer, nasceu um debate acerca da fotografia, do direito à privacidade e de cuecas em estendais. A questão impôs-se: estamos a invadir a privacidade do outro se partilharmos uma fotografia em que se pode identificar o seu estendal? Depressa, vieram as respostas. De um lado, indignação, do outro, um movimento que declarou "longa vida" às cuecas no estendal.

Joana Valente tem 48 anos e é bibliotecária. Cresceu na fronteira entre Benfica e de São Domingos de Benfica. É lá que vive e que, por lá, tira fotografias a tudo e mais alguma coisa, que depois publica na sua página de Instagram – No Bairro do Amor. Através das fotografias, procura contar a história daquelas freguesias e retratar o seu quotidiano, capturando o que acha insólito ou engraçado. Inclusive deu início a uma rubrica chamada Stendhal, em que partilha fotografias de estendais que vê na rua.  

Em Abril, decidiu partilhar no grupo de Facebook “Olá vizinhos! São Domingos de Benfica” uma fotografia de um estendal com vários pares de cuecas estendidos, na Estrada de Benfica. Joana Valente nunca pensou que daí fosse nascer uma discussão ou até um movimento. “Houve vizinhos que se reconheceram naquela fotografia, ou que reconheceram a casa da vizinha que está naquela fotografia, e acharam que era uma coisa que não era correcta. Depois, daí, gerou-se uma troca de comentários no Facebook a dizer se era bem, se não era bem, qual é o mal de ter as cuecas estendidas, que uns estendem atrás e que outros estendem à frente…”, começa por explicar Joana Valente à Time Out.

Depois de receber mensagens do familiar da dona daquelas cuecas a pedir para apagar a fotografia, esta foi retirada. Uns dias depois, a bibliotecária publicou uma outra fotografia. Desta vez, de um chapéu de sol numa varanda. A dona da varanda rapidamente manifestou o seu descontentamento e a imagem foi apagada. “Na verdade, aquilo é uma imagem que está virada para a rua em permanência. Portanto, as pessoas ficaram chocadas, sentiram que a privacidade delas estava a ser invadida quando, na verdade, não é o caso, porque qualquer pessoa que passe na rua pode olhar para uma janela e ver um chapéu”, sublinha.

Daqui acabou por nascer um movimento, em solidariedade com Joana Valente, em que vários vizinhos começaram a partilhar fotografias das suas cuecas nos estendais (como as que estão na imagem acima). Até a própria chegou a publicar uma imagem das suas cuecas no estendal, mas mesmo assim não se livrou de mais descontentamento. “Esse movimento de solidariedade também foi um momento de humor e criatividade na página, porque, na verdade, a roupa íntima exposta à janela que é uma coisa tipicamente portuguesa, que toda a gente sabe que estender a roupa à janela aqui em Portugal é absolutamente normal, acabou por criar uma troca de opiniões e visões sobre as coisas.” 

Joana Valente confessa que o debate que se levantou com a sua publicação nunca foi uma questão para ela, já que sempre teve a melhor das intenções nas suas partilhas. A vontade de retratar os lugares que contam a história dos bairros em Benfica e que, um dia, podem vir a desaparecer, é o que move o seu gosto pela fotografia.

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