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Entre ficção e reportagem, a fotografia de Jeff Wall tomou conta do MAAT

Mais de 60 fotografias – na maioria grandes formatos – ocupam o MAAT, naquela que é a primeira exposição individual do artista canadiano em Portugal. Abre esta quarta-feira.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
"Jeff Wall – Time Stands Still. Fotografias, 1980-2023", MAAT
Daniel Malhão
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Aos 78 anos, Jeff Wall apresenta-se, pela primeira vez, numa exposição individual em Portugal. No MAAT, a Galeria Oval é só o primeiro vislumbre de um percurso que se estende às galerias adjacentes. Ao longo de 63 imagens, o quotidiano que Wall encena e fotografa há mais de quatro décadas surge em todo o seu esplendor. Esplendor e dimensão, com o predomínio de grandes formatos e uma primeira parte marcada pelo formato que explorou durante os primeiros 30 anos de carreira – as caixas de luz.

Retroiluminadas, mais de uma dezena de fotografias circundam a Galeria Oval. Representam uma extensa fase na obra do artista canadiano, situada entre 1978, altura em que visita o Prado e se deixa inspirar pela luz e pelo virtuosismo pictórico de mestres como Velázquez e Ticiano, em 2008. "No final desse período, estava já um pouco cansado de ter um único produto final. Nunca quis que o meu trabalho se restringisse daquela maneira e também não queria ser conhecido como o homem quem faz caixas de luz", desabafa Wall, durante a apresentação da exposição à imprensa.

"Jeff Wall – Time Stands Still. Fotografias, 1980-2023", MAAT
Daniel Malhão

O papel veio depois. Poéticas, cinematográficas e, desde logo, presumivelmente encenadas, as imagens não estão organizadas cronologicamente, tão pouco dispostas por temas. Na verdade, o próprio artista desafia o público a encontrar ou até mesmo formular pequenas lógicas e narrativas à medida que percorre a exposição.

A meio do trajecto, demora-se a falar de Cold storage, uma das fotografias a preto e branco incluída na exposição. Em 2007, Wall entrou neste espaço gelado e vazio, em Vancouver – um contraponto de tantos outros espaços cheios de luz e acção. Os 40 graus negativos obrigaram-no a fotografar com a câmara envolvida por um invólucro protector. "Para mim, foi fascinante entrar nesta sala, que nem sequer estava a ser usada na altura, e perceber que o tecto estava cheio de gelo. É como se estivesse de pernas para o ar e o gelo, na realidade, estivesse no chão. É bonito, de certa forma", adiciona.

Sem figuras humanas ou encenações, a espectacularidade da imagem estava lá. Wall limitou-se a entrar e a apontar a lente. "Talvez também deva dizer que muitas das minhas imagens são simplesmente documentais. Fico muito feliz em tirar uma fotografia, tal como qualquer outro fotógrafo tiraria, quando as circunstâncias são favoráveis. Neste caso, vi o edifício e fiquei bastante curioso com o que se passava lá dentro. Tive a oportunidade de entrar e percebi que era algo bastante raro. Então, quis fotografar como qualquer repórter fotográfico. Há um aspecto de reportagem que está sempre presente nas minhas imagens. Algumas pessoas pensam que faço fotografias ditas ficcionais, factuais por outro lado. É verdade, de certa forma, mas o factual está sempre lá", reflecte o artista, ainda durante a apresentação da exposição.

Jeff Wall
Alex MerzJeff Wall

O dispositivo cenográfico é praticamente inexistente. Sérgio Mah, director-adjunto do museu e curador da exposição, fala numa oportunidade única de ver o edifício por dentro como ele é, sem artefactos, o que não acontecia desde a abertura, em 2016. Artista e curador conhecem-se há 20 anos. O primeiro encontro deu-se a propósito de uma exposição colectiva no CCB. Quando chegou à direcção do MAAT, no Verão de 2023, Mah teve um pensamento imediato: "É o momento de, finalmente, termos uma exposição a solo do Jeff em Portugal."

"O Jeff veio uns meses depois e, a partir daí, começámos a trabalhar. É uma exposição grande, mas não acredito que faça sentido chamar-lhe retrospectiva ou antologia, não é assim que ele vê este tipo de exposições", continua Sérgio Mah. "É preciso entender que o trabalho do Jeff não está organizado em séries, por isso é muito importante ver que cada uma das obras responde a uma ideia específica", reforça o curador.

O artista, por sua vez, deixou-se encantar pela arquitectura do espaço. "Não é, obviamente, um museu comum. É muito, muito diferente. Gostei deste contraste que consegui antever – entre a curvatura e esta espiral do edifício e a forma rectangular das imagens. Esta ideia de que criámos uma composição quase decorativa, interessante de contemplar, independentemente do que se pense. Existe essa qualidade, mesmo que cada fotografia individualmente tenha a sua personalidade, e estou muito feliz com isso. Consigo imaginar que muitas pessoas entrem, vejam a sala de cima e vão embora. De certa maneira, já viram um dos aspectos essenciais da exposição, que é esta sala a ganhar vida", remata Jeff Wall.

"Jeff Wall – Time Stands Still. Fotografias, 1980-2023", MAAT
Daniel Malhão

Além do catálogo da exposição, a inauguração de "Jeff Wall. Time Stands Still. Fotografias, 1980-2023" é ainda assinalado com o lançamento do livro Jeff Wall – Escritos de Arte, uma colectânea de 13 textos do artista, escritos entre 1982 e 2010, editado pela Orfeu Negro. Também a agenda do MAAT andará em torno daquela que, neste momento, é a sua maior exposição. Há duas visitas orientadas pelo curador, nos dias 24 de Maio e 1 de Junho, às 16.30.

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Avenida de Brasília (Belém). Qua-Seg 10.00-19.00. Até 1 Set. 11€ (gratuito no primeiro domingo de cada mês, das 10.00 às 13.00)

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