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Durante anos foi como DJ Rycardo que se deu a conhecer. Agora é como Ricardo Maneira, sem máscaras ou nomes artísticos, que se apresenta à frente do bar A Viagem das Horas, que abriu há cerca de dois meses em Arroios, bem pertinho do mercado. A pandemia obrigou-o a parar de pôr música, mas também lhe deu a vontade de cumprir um sonho antigo.
“Sempre quis ter um espaço meu e, de repente, disse: é agora.” A música continua a ser peça fundamental e está no centro deste novo projecto: o bar vai buscar o nome ao disco do brasileiro José Mauro, que durante anos meio mundo julgou morto. “Quando fiquei a saber da história deste músico fiquei um bocadinho obcecado e queria ter este disco”, conta Ricardo. É possível ouvi-lo por lá, bem como à restante colecção do DJ, que tem na música brasileira e no jazz as suas maiores referências.
Os vinis são parte da decoração do espaço, que se completa com as muitas garrafas de vinhos naturais, de pequenos produtores e com pouca intervenção, e as plantas da Bago Plant Shop, que também aqui estão à venda. A escolha do lugar, na freguesia mais multicultural da cidade, também não foi por acaso: “É um sítio que tem esta mistura de nacionalidades. Eu nasci em Angola, sou angolano, mas também sou português. É o sítio certo”, afirma, contando rodear-se da comunidade. “Quero estar no bairro e juntar-me a quem já faz coisas que são boas. Quanto mais juntos estivermos, mais fortes somos. E eu sou pequeno, isto não é a minha área.”
Na carta, onde cada prato tem o nome de uma música, há entradas e petiscos que vêm do Templo Hindu – Roforofo fight, 1,80€ (aperitivos sem glúten, vegan, à base de grão, picantes e não picantes) – e do vizinho Mezze – Um homem na cidade, 4,50€ (humus e babaganhoush, pão artesanal e tostas). As sobremesas, como a Let’s stay together, uma tartelette de chocolate (4,90€), são da Zukar, projecto de Laura Nascimento e da mãe Muriel. E mesmo as compras são feitas por ali: o pão vem da Terra Pão, o peixe da Peixaria Veloso – vale a pena provar o prato que tem como nome A love supreme (8,50€), feito de peixe do dia cru, servido numa marinada de óleos asiáticos com flocos chilli. Para casa é ainda possível levar o azeite alentejano Mainova (500 ml, 8,50€), Salmarim Flor (a partir de 6,50€) ou queijo vegan Cura (a partir de 9,60€).
A mensagem mais importante que quer passar com A Viagem das Horas é esta: a de que também um negro pode abrir um negócio e seguir o caminho que sempre ambicionou. “Isto é um acto de cidadania. Não haver muitos negros à frente destes negócios motivou-me”, explica. “Temos um racismo estrutural que nos come todos os dias. E o facto de ter um espaço ou estar numa situação de privilégio não invalida que não sofra de racismo”, acrescenta, esperando que o seu bar possa também ser um espaço de encontro de afrodescendentes. Para o futuro, não faltam ideias, desde sessões de música a conversas. Por agora, Ricardo está feliz. “Passo a música que quero, compro os vinhos que quero, conheço muita gente. Não podia desejar coisa melhor neste momento na minha vida.”
José Ricardo 1 (Arroios). Seg-Sex 16.00-22.00.
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