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É uma espécie de gemada biográfica, uma colagem de testemunhos recolhidos a portugueses a viver no Rio de Janeiro, tal como Tiago Cadete vive. Isso e uma performance sentada com ovos. Entrevistas estreia esta quinta-feira nas Gaivotas.
Tiago cadete está lá e cá. Está no Brasil como está em Portugal, tanto está sentado numa mesa preta a dizer partes de entrevistas por si realizadas, como está, também na mesa, a domar ovos, que vai retirando das caixas para criar várias disposições. E isto são Entrevistas – a nova criação do artista que faz da sua obra um cruzamento de teatro, dança e artes visuais – espectáculo feito a partir de testemunhos de portugueses a viver no Rio de Janeiro e que servem, no fundo, para fazer uma falsa biografia de Tiago Cadete.
Sim, porque o artista que foi para o Brasil para uma pós-graduação foi ficando e já vai no doutoramento. E se em Alla Prima (2015), Tiago tentava criar a ideia de um corpo brasileiro através de imagens pictóricas, agora – e prosseguindo esta ideia de trabalhar a relação atlântica – quis ir para junto daqueles que, como ele, têm a condição de emigrantes: “Isto é uma tentativa de ficcionar a minha biografia, e de tanto ouvir e dizer em primeira pessoa, já não sabes bem o que é. A primeira pessoa que fala, o Nuno, andou comigo do primeiro ao quarto ano em Faro e está no Rio de Janeiro há oito. O início da biografia dele é a minha, ou seja, eu não era fã dos Nirvana e nunca tive mota, mas há cruzamentos”, descreve.
Dito isto, estamos situados, sabemos ao que vamos, sabemos como é o jogo. Tiago Cadete, com um auscultador no ouvido direito, conta-nos histórias de gente que voltou ao seu país para perder a mãe para o cancro, de gente que não tem os pais para ficarem a tomar conta dos filhos, de gente que também acaba por ser Tiago e que aborda assuntos como o racismo, a precariedade, a comunicação-não-comunicação, o assédio ou a violência. É uma biografia encenada, como podia ser uma revista de imprensa portuguesa com toques tropicais.
E não se esqueçam das músicas que saem da coluna suspensa atrás do artista. Vêm ao contrário, são músicas muito nossas, que talvez consigamos identificar e que servem de separador entre as entrevistas e o corte-cola-cose. “Penso muito o dispositivo primeiro, como é que vou actuar dentro daquilo. Sabia que queria trabalhar uma questão de voz, este processo de escuta, que não é decorar um texto mas ser um veículo, como se fosse um speaker, banalizar esse lugar do emissor”, afirma.
Então, mas e os ovos? Os ovos são a coreografia da coisa, a carga performativa, e atiram o espectador para um lugar de profunda ansiedade. Será que se vão partir? Não queremos que os ovos se partam e nem sabemos bem o motivo. Será que estão cozidos e isto é tudo um exagero nosso? São só ovos. Ou se calhar não.
Ruadasgaivotas6. Qui-Sáb 21.30. 5€.