[title]
Vincent Farges deixou a Fortaleza do Guincho e as praias paradisíacas dos Barbados para ganhar uma vista para o Tejo. O novo restaurante do chef, Epur, é o primeiro em nome próprio em Lisboa e já abriu.
Uma cozinha aberta, permitindo a quem está na sala assistir a todo o processo e perícia do empratamento, é um bónus da experiência gastronómica num restaurante de autor. Mas é um bónus ainda maior quando, da rua, se consegue espreitar o que se faz numa cozinha de um restaurante de fine dining. É isto que acontece no Epur, o novo restaurante de Vincent Farges no Chiado, com a cozinha com grandes janelas viradas para o Largo da Academia Nacional de Belas Artes, térrea, e três salas distintas no interior, altas, com uma vista incrível para a cidade e para o rio Tejo. O chef francês que esteve dez anos à frente do restaurante da Fortaleza do Guincho (saiu em 2015) regressa agora a Portugal, depois de uma estadia num resort de luxo numa ilha das Caraíbas, para um restaurante gastronómico “depurado”, onde tem mais liberdade.
“Quando pegámos neste local, não podia fazer outra coisa que não fine dining”, explica Vincent Farges, sentado numa zona lounge onde está a garrafeira 100% portuguesa (fora o champanhe, francês, claro) do novo restaurante, que casa linhas nórdicas e modernas com azulejos portugueses do final do século XVII. Antes, este espaço era o showroom da marca de cozinhas Bulthaup, representada em Portugal por Pedro Mendonça, seu sócio neste novo projecto. Depois da certeza que iria transformar e apresentar-se neste sítio luminoso e com vista para Lisboa, pensaram o conceito-
-base e chegaram à frase “Eppur si muove”, a frase que, reza a lenda, Galileu Galilei murmurou após ter sido forçado pela Inquisição a renegar a ideia de que a Terra gira em volta do Sol e não o contrário. Em francês, isto levou Vincent a épurer, que significa “depuração”. E era isso que o chef queria fazer: uma cozinha pura, sem nada a desviar da boa comida que serve, “sem extravagâncias, um serviço com muito nível mas informal, uma mise en place simplificada, sem luvas brancas.”
“Fui buscar os melhores produtos portugueses e cozinho-os como deve ser. Estou a trabalhar com pequenos e grandes produtores, mas vou ter uma relação de proximidade muito grande com os pequenos. Vou depender realmente deles. Não vou obrigar um produtor a produzir espargos quando estão fora de época”, diz. Neste restaurante não haverá, por isso, um menu fixo nem qualquer prato a perdurar no tempo. “O produtor diz-me que daqui a 15 dias já não há e eu mudo o menu”, reforça. Numa semana e meia, o tempo da abertura soft, já trocou três vezes os pratos.
A carta é, por isso, muito simples: há sempre três entradas, uma com elementos de água, outra de horta e uma terceira de terra; três pratos principais, do mar ou do rio, do campo e recordações de receitas familiares; e três sobremesas, uma com chocolate, outra com fruta e uma vintage. Desta base de nove pratos parte-se para quatro menus: o essencial, apenas ao almoço, com uma entrada e prato principal ou um prato principal e uma sobremesa, com uma água, café ou chá (45€); o epicurismo, com quatro momentos (90€); o de seis momentos (125€); e o de oito (160€), todos com opção de harmonização de vinhos. Há ainda uma travessa de queijos portugueses opcional (18€) e um ritual do pão que será sempre cumprido, com três tipos de pães inteiros, feitos no restaurante, de centeio, de trigo e sem glúten com sementes, servido com azeite e manteiga dos Açores em bloco.
“Não sou português e não faço cozinha portuguesa, sou francês mas também não faço cozinha francesa. É uma cozinha a sério, só isso”, continua Vincent, que esteve parado um ano e meio, entre obras e burocracias para a abertura deste restaurante há muito tempo anunciado, mas que devido à estrutura classificada do prédio se tornou uma obra mais complexa, acabada “milimetricamente”. Durante esse tempo, andou pelos campos, no interior do país, a pesquisar. “Há produtores que são mesmo pequeninos. Vou ter de pegar no carro, à segunda [dia em que o restaurante fecha] e ir buscar as coisas”, diz, reiterando que “nunca vai ser aborrecido porque há sempre coisas novas”. Mas pode ser, por vezes, de difícil gestão – “no Verão há demasiada coisa. Pequenos legumes, as flores, morangos, framboesas, nêsperas.” Exercício criativo para o chef que passa “demasiado tempo na cozinha”.
Largo da Academia das Belas Artes, 14 (Chiado). 21 346 0519. Ter-Sáb 12.30-15.00/19.00-23.00.