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O espaço não é novo, mas renasce agora, com nova equipa e nova ementa. À entrada, a um canto do Largo Trindade Coelho, salta à vista a esplanada que lhe dá nome, mas é no interior do Museu de São Roque que encontramos o claustro do antigo convento. Neste oásis em plena cidade, não falta sombra nem sossego. Florência Sálvia não tem dúvidas: é o melhor sítio para experimentar a oferta gastronómica desta cafetaria que também é um projecto de integração social. O objectivo, explica-nos a gestora de parcerias empresariais da Crescer, é apoiar pessoas em situação de sem abrigo, pobreza extrema e refúgio. “Funciona nos mesmos moldes que outros projectos da associação, como o É Um Restaurante. Temos uma parceria com o IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional] e promovemos formações na Escola de Hotelaria do Estoril, para que depois possam estagiar connosco e eventualmente integrar o mercado de trabalho.”
Foi em 2016, através de um primeiro contacto da Câmara Municipal de Lisboa, que tudo começou a ganhar forma. Quando perguntaram a Américo Nave o que faria a Crescer se tivesse um restaurante, o director executivo da associação respondeu que punha as pessoas em situação de sem-abrigo a servir comida à comunidade em vez do contrário. Três anos depois, nasceu o É Um Restaurante. Agora, já são mais de uma mão cheia de espaços. “Abrimos o primeiro antes da pandemia e, quando fomos forçados a fechar, continuámos a dar resposta às pessoas que contavam com o nosso apoio. Era o que fazia sentido, porque a indicação do governo era para que se ficasse em casa, mas há muitas pessoas que não têm uma”, lamenta Sálvia. “Dos números que temos de 2023, das 250 pessoas que procurámos integrar, metade está no mercado de trabalho. Há muitos abandonos, claro, mas é o suficiente para nos dar vontade de continuar e, se em algum momento se organizarem e quiserem voltar a tentar, temos sempre a porta aberta.”
Quando tudo corre como previsto, o projecto é capaz de integrar, por ano, pelo menos 75 beneficiários em formação e 40 no mercado de trabalho. A grande ambição é, claro, melhorar as suas condições sociais e de saúde. Para isso, além da componente teórica na escola de hotelaria e do estágio na cafetaria, garantem acompanhamento por técnicos, psicólogos e assistentes sociais. “Damos apoio no que for preciso. Questões de habitação, saúde, alimentação”, diz-nos Sálvia. “A ideia é que estejam seis meses a trabalhar aqui e depois transitem para outro espaço. Temos um chef de cozinha e um chefe de sala fixos, mas o resto da equipa vai rodando. É o que está a acontecer agora, vamos ter uma nova leva.” E chega mesmo a tempo da renovação da carta. Lançada este mês, com orientação do chef consultor Nuno Bergonse, reúne sobretudo refeições ligeiras, como tapas, petiscos, saladas e pastelaria caseira.
Entre as novidades, destacam-se as propostas de brunch, como os ovos benedict (6,90€) ou mexidos com pão torrado (4,90€), os croissants (2€-3,50€) e as panquecas (6€-7,50€), mas a recomendação do chefe de sala, Pedro Guerra, é outra: a salada de queijo de cabra (8,50€), servida com morangos. “É das melhores combinações”, assevera, antes de nos chamar a atenção para outro bestseller, os nachos com guacamole e queijo cheddar, que se encontram na secção de tapas, junto a outras opções “igualmente saborosas”, como húmus de espinafres com pão pita (7€), corneto de salmão fumado com beterraba (8,50€) e tábuas de queijos e enchidos nacionais (17,50€-20,50€). “Poderia recomendar quase tudo, porque é tudo bom e a carta também não é grande, mas a ideia é servir quem passa por aqui e quer picar qualquer coisa.” Há ainda um brunch completo por 16€, que inclui sumo natural, café, croissant, pão, queijo, fiambre, compota, bolo do dia e iogurte com granola, fruta e mel.
Já na hora da sobremesa, destaca-se o pudim de azeite e mel (6€), mas o que nos chega à mesa é o bolo do dia (2,50€): um brownie caseiro, de fazer crescer água na boca. “O pastel de nata também tem muita saída. São feitos aqui e até acontece alguém pedir e dizermos que têm de esperar cinco ou dez minutos, porque não fazemos muitos de uma vez. Normalmente chegamos e fazemos cinco ou dez, e vamos gerindo, porque também fazemos as nossas compotas de frutos vermelhos e abóbora”, revela, crente de que, se não fossem um segredo tão bem guardado, teriam mais movimento. “É só a minha opinião, mas se estivéssemos lá em baixo, tínhamos mais movimento. Isto é uma zona de passagem e a verdade é que as pessoas não param muito. Depois as pessoas vêem a esplanada lá fora e sentam-se, mas esta no claustro, aqui escondidinha, é muito mais agradável.” Perfeita para um refresco, diria. Como o sumo de laranja natural (3,50€) ou a limonada (3€).
No horizonte, adianta Sálvia, está um festival de gastronomia no Mercado da Amadora e no Parque Central. É Um Encontro, assim se vai chamar, está marcado para 13 a 15 de Setembro, e a ideia é juntar chefs de renome a pessoas migrantes que tenham competências na área, para que apresentem pratos em conjunto. Depois, se tudo correr bem, nascerá um restaurante, com o mesmo nome, junto ao parque. Com a mesma missão dos outros espaços, receberá pessoas em situação de sem-abrigo numa lógica de formação que dura entre quatro a seis meses, como está a acontecer com Artur, de 56 anos, que aproveita a sombra do claustro para uma pausa e dois dedos de conversa. “Gosto muito disto e de trabalhar aqui, na copa, a lavar pratos e panelas”, partilha, entre risos, bem-disposto. “Não tinha experiência, mas tive formação e foi um espectáculo. Agora trato de lavar tudo bem lavadinho.”
Museu de São Roque. Ter-Sáb 10.00-19.00
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+ Nesta pizzaria, cozinha-se com as mãos, come-se com as mãos e fala-se com as mãos