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Esta exposição desafia-nos a repensar o valor do plástico

Se não nos podemos livrar do plástico, poderemos repensar o seu valor e a forma como o deixamos entrar nas nossas vidas?

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
“Plástico: Reconstruir o Mundo”
© Joana Linda“Plástico: Reconstruir o Mundo", no maat
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A palavra “plástico” vem do grego plastikos e significa “flexível, aquilo que pode ser moldado”. Antes de ser inventado, já existia na natureza: nas presas e chifres de diferentes animais, nas carapaças de tartarugas e de crustáceos como lagostas, e até na resina e seiva de certas árvores. Mas a exploração desses polímeros naturais dependia de redes de comércio estabelecidas por potências coloniais e – ainda que dificilmente o percebamos a olhar para um pote de tabaco feito de copal – as consequências foram devastadoras. Tão devastadoras que se começou a procurar soluções para, por um lado, a eventual escassez de recursos e, por outro, o mais que necessário alívio à natureza. Ironicamente, foi também assim que acabámos a inventar o que hoje conhecemos genericamente como “plástico”. É verdade, a história é cíclica, e aqui estamos, outra vez, à procura de alternativas.

“Acredito que podemos fazer boas escolhas para o futuro se compreendermos o passado [o que aconteceu, como e porquê]”, diz a curadora Anniina Koivu, numa visita à nova exposição do Maat, que inaugura esta quarta-feira, 22 de Março. Produzida em conjunto com o Vitra Design Museum, na Alemanha, e o V&A Dundee, na Escócia, onde se estreou, “Plástico: Reconstruir o Mundo” convida-nos a descobrir a narrativa tão espantosa quanto preocupante da invenção e disseminação desse material artificial com mais de 150 anos. Como é que se tornou imprescindível e, ao mesmo tempo, supérfluo? Como é que tem contribuído para a incontornável crise de poluição ambiental que hoje vivemos? E, mais importante, como é que podemos repensar o seu valor e a forma como o deixamos entrar nas nossas vidas?

Da criação à recriação

Tudo começa com uma espécie de prelúdio, uma instalação videográfica que nos desafia a reflectir sobre a relação geológica fundamental entre plástico e natureza. Assinada pelo arquitecto britânico Asif Khan, Kalpa (palavra em sânscrito que designa um período geológico na cosmologia hindu e budista, e compreende a criação, destruição e recriação do mundo) leva o espectador numa viagem imersiva através do tempo. Por um lado, o surgimento de formas de vida microscópica nos oceanos. Por outro, o momento em que os microplásticos começaram a contaminar os ecossistemas marinhos. A acompanhar o filme – que assistimos em duas partes, exibidas alternadamente em ecrãs gigantes –, temos a valsa “Danúbio Azul”, do austríaco Johann Strauss. Composta em 1866, foi apresentada pela primeira vez no ano seguinte, em 1867, na Exposição Universal de Paris, onde o plástico semi-sintético “parkesine” conquistou uma medalha de prata.

plásticos
DRA Map of Synthetica, A New Continent of Plastics

“É uma oportunidade única de ver, debaixo do mesmo tecto, centenas de peças de arquivo [cerca de 400] de diferentes instituições”, adianta a curadora, antes de nos guiar até ao verdadeiro início da exposição. É na primeira grande sala que somos confrontados com a origem natural do plástico. Temos oportunidade, por exemplo, de perceber como a Europa Ocidental explorou países da Ásia, da África e da América do Sul em busca de recursos para criar os mais variados objectos, desde pentes de chifre, de vaca ou ovelha, até cachimbos e medalhões relicários produzidos a partir de bois durci, uma mistura de pó de madeira e substâncias proteicas, tais como clara de ovo ou sangue.

“Com a industrialização e a ascensão da classe média, começou a haver uma maior preocupação com o status quo e, portanto, a procura por determinados objectos aumentou, e os materiais necessários para os construir começaram a escassear”, esclarece Koivu, avançando para a experimentação com materiais sintéticos que começou a ocorrer em meados do século XIX e início do século XX. “De certa forma, pode dizer-se [que os plásticos] foram inventados como alternativa à exploração de alguns recursos [naturais].” Inventado pelo químico belga-americano Leo Baekeland, o primeiro plástico totalmente sintético surgiu em 1907. Isolante e não inflamável, a baquelite, como ficou comercialmente conhecida, foi prontamente usada para as luzes, rádios, telefones e aparelhos eléctricos que começaram a povoar a vida e a casa moderna. “Foi a primeira vez que surgiu um material que se podia colocar em qualquer tipo de molde e que podia ser reproduzido em massa.” Significava um manancial de possibilidades, que não pararam de crescer – muito pelo contrário – com a guerra e o crescimento das indústrias bélicas e petroquímica.

“Plástico: Reconstruir o Mundo”
© Joana Linda“Plástico: Reconstruir o Mundo”, no maat

É precisamente no período entre o final da Segunda Guerra Mundial e o princípio da década de 1970 que se foca a segunda secção da exposição. Da indústria da moda ao mobiliário, passando pela produção de brinquedos, o plástico já estava por todo o lado. Por exemplo, a primeira linha Tupperware foi lançada em 1945 – e, como bem sabemos, continuam a usar-se recipientes do género para acondicionar alimentos. Nessa época, o plástico era sinónimo de uma vida sem preocupações: servia para criar objectos higiénicos e de fácil utilização, tão atraentes quanto cómodos. Mas havia, simultaneamente, uma preocupação crescente com o planeta. Na década de 60, foram publicados vários artigos de biólogos marinhos que davam conta da presença de microplásticos nos oceanos. A primeira vaga de activismo ambiental surgiu, aliás, por causa de eventos como um derrame de petróleo de grandes dimensões que ocorreu na Califórnia em 1969.

“Em poucas décadas, o plástico passou de material visionário e democrático, pleno de potencial, a alvo de profunda contestação”, lê-se algures, numa das legendas da exposição, impressas em papel reciclado. Está na hora de se fazer um balanço, percebemos. Não do passado – já o vimos, faz parte de nós –, mas dos actuais esforços para repensar o plástico. É preciso reduzir a sua promoção e consumo, claro, mas também a sua reutilização. E, sugere ainda Koivu, fazer uma distinção: há plástico bom e plástico mau. “Os plásticos não vão deixar de existir. Há muitas indústrias nas quais continuam a ser imprescindíveis, como a da saúde, por exemplo. Mas é importante percebermos que podemos fazer parte da solução. Podemos decidir quando e onde é que faz sentido, e onde é que não.” Aí entram as alternativas, e podemos ver algumas em exposição. Há protótipos (como os tijolos em micélio desenvolvidos na cátedra sustentável do Karlsruhe Institute of Technology, na Alemanha), mas também soluções que nos últimos anos ganharam vida em diferentes sectores, desde sacos de compras sem plástico, que se dissolvem quando imersos em água morna, até malas de um material biodegradável feito inteiramente a partir da planta de abacá.

“Plástico: Reconstruir o Mundo”
© Joana Linda“Plástico: Reconstruir o Mundo”, no maat

“Sem querer parecer demasiado snob, acho que podemos ter menos coisas e aceitar que o pouco que temos custa mais. Tem a ver com o preço que estamos dispostos a pagar pelas coisas. Podemos dizer que não a coisas como os sacos de plástico do supermercado e investir em peças que sabemos que vão durar anos e anos e anos”, diz-nos a curadora, que faz questão de reforçar que o objectivo não é demonizar o plástico nem as indústrias que o usam. “Para mim, a questão passa, na verdade, por dar um novo valor e qualidade ao plástico. Plástico de qualidade ainda é fantástico. Se o usarmos onde faz realmente sentido e onde não há alternativa melhor, é fantástico. Mas temos de ser cuidadosos para não o tratarmos como uma saída fácil para tudo. Acho que essa é a minha mensagem.” Patente até 28 de Agosto, “Plástico: Reconstruir o Mundo” termina com um apelo literal à acção. Há uma máquina para reciclagem, que transforma pequenos pedaços de plástico em novos objectos, como colheres, cabides, réguas e ganchos, através de diferentes moldes.

Maat – Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia. 22 Mar-28 Ago. Qua-Seg 10.00-19.00. 6€-17€

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