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Esta loja de cerâmica não é Inútil – e pode salvar-nos a vida

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
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Habitat de objectos sem utilidade aparente, a nova loja de arts & crafts da cidade quer ser um centro de criação artística, abrindo espaço ao “fascinante esplendor do inútil”.

Espaço de valorização da cerâmica contemporânea, a Inútil é uma “casinha de bonecas”, num largo de árvores centenárias, entre o Miradouro de Santa Luzia e o Castelo de São Jorge. Com ar de galeria, as formas, texturas e cores das peças – desde jarros e tigelas a pratos e esculturas – saltam à vista, por cima do branco das paredes, prateleiras e aparadores.

“Sempre fui muito atenta à beleza e, já mais adolescente, comecei a participar em ateliês de cerâmica, como quem vai ao ginásio ao final da tarde”, conta Maria Almeida. Engenheira química de formação, foi gestora de qualidade na mesma empresa durante mais de duas décadas, mas nunca deixou de alimentar “o gosto pelo belo”. Um dia, pôs “a vida na balança” e percebeu que – como o escritor Nuno Artur Silva disse, recorda-se – “a arte não serve para nada, a não ser para nos salvar a vida”.

Foi no Largo do Contador Mor, a que também se tem acesso por um curioso passadiço sob o arco da Rua da Damas, que encontrou uma casa de habitação, com dois andares e pouco mais de dez metros quadrados. Imaginou aí “um lugar mágico, pleno de alma e arte”, confessa, mas foi preciso quase um ano de obras. Agora, sem divisões e um tecto alto, poderia ser qualquer uma das galerias encantadoras das misteriosas ruas de Paris, onde Maria também foi buscar inspiração. Quanto ao nome, não hesitou, apaixonada pelo “fascinante esplendor do inútil”, expressão do crítico e ensaísta George Steiner.

As peças podem ir dos 8€ aos 2000€
Fotografia: Duarte Drago

Na Inútil, inaugurada em Dezembro, as peças – feitas artesanalmente, com diferentes técnicas – foram escolhidas a dedo, com a experiência de quem admirou, durante anos, ceramistas como Martim Santa Rita e Teresa Cortez. Embora Maria tenha chegado a contactar um artista francês, que trabalha com madeira, de momento a arte é exclusivamente nacional. A Santa Rita e Cortez, juntam-se Carmina Anastácio, Helena Abrantes e Paula Brito. “O forte é cerâmica”, acrescenta. “Mas não me choca ter cá papel, pedra ou vidro.” Como os pratos de papel de Isabel Abranches Pinto, para decorar paredes, expor em prateleiras ou pôr em cima da lareira lá da sala.

Com os olhos a brilhar, fala um pouco mais sobre a paixão pela cerâmica, do gosto pelo brilho. “Quando não têm brilho, parecem pedra, mármore até”, como um camaleão de raku, uma técnica cerâmica japonesa. Começa-se por moldar uma peça de barro poroso, cozendo-a a uma temperatura pouco elevada. Depois de envidraçada, volta ao forno e aumenta-se a temperatura. As peças saem incandescentes para serem mergulhadas em serradura. Quando retiradas, são novamente mergulhadas em água. Arrefecida a peça, retiram-se os restos do que já é só carvão. As partes que não foram envidraçadas ficam pretas, criando padrões curiosos, como riscas ou sardas.

Fotografia: Duarte Drago

Com o tempo, Maria também tenciona expor peças suas. “Este primeiro ano é para perceber como são os dias”, explica. “Gostava muito que a loja entrasse no circuito dos portugueses.” Entusiasmada, lamenta que o bairro do Castelo – que tomou de empréstimo o nome do seu principal monumento e carrega história para além da fortaleza mourisca – ainda não tenha sido reconquistado aos turistas. “A envolvente tem alma, o largo, as árvores, os fins de tarde. [E a Inútil] não é uma loja de rua, de passagem, de correria. É para se estar, para descansar o olho, para apreciar. Para verem a utilidade do que à partida é inútil.”

A proposta não se esgota, portanto, na oportunidade de ver e comprar arte, mas passa também por reflectir acerca da utilidade da obra – como podemos usar uma peça que à partida poderia estar num museu. “Podem ser úteis só pela beleza que têm”, sugere Maria. “É importante vermos coisas bonitas.” Mas às jarras é fácil adicionar flores, às tigelas e aos pratos imaginá-los à mesa do pequeno-almoço e mesmo as folhas de Outono de cerâmica podem ser usadas como suportes para velas. “É a criatividade que nos diferencia como seres humanos.”

Largo do Contador Mor, 16 (Lisboa). Seg-Sáb 11.00-18.00

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