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Johnny Rose é um magnata dos clubes de vídeo. A mulher, Moira Rose, uma antiga e famosa estrela de telenovelas. David e Alexis Rose, os filhos de ambos, são dois pirralhos mimados – apesar de já adultos. Conhecemo-los numa luxuosa e reluzente mansão onde, por uns brevíssimos instantes no início de Schitt’s Creek, ainda vivem. É sol de pouca dura. A primeira cena da série criada por Eugene e Dan Levy, pai e filho tanto na realidade como nesta família ficcional, é uma rusga de cobradores das Finanças, que irrompem casa adentro para confiscar tudo o que lá está, incluindo o próprio edifício. Num instante, puff!, esvai-se a fortuna. Enganados pelo contabilista, que engendrou uma fraude milionária e está agora longe da vista, os Rose são deixados com uma mão à frente e outra atrás. Bom, mais ou menos: além da roupa do corpo e da dúzia de malas com pertences pessoais, é-lhes permitido ficar com uma pequena e saloia cidade que Johnny comprara para o filho, em 1991, como uma brincadeira: Schitt’s Creek. Sem outro sítio para ir, mudam-se para lá. O choque é inevitável e a adaptação à nova vida é frustrante e dolorosamente cómica.
Estreado em Janeiro de 2015 na América do Norte, Schitt’s Creek chega a Portugal nesta quinta-feira, através do TVCine Emotion. A última edição dos Emmys deu o impulso que faltava: a sexta e derradeira temporada da série, que terminou em Abril, venceu um total de nove estatuetas; um feito inédito, que deixou para trás o anterior recorde de The Marvelous Mrs. Maisel, a série de comédia que mais Emmys havia arrecadado num único ano (oito, em 2018 e em 2019). Schitt’s Creek nem sempre granjeou tamanho reconhecimento. Inicialmente recusada pela HBO e pela Showtime, encontrou casa na canadiana CBS e foi distribuída nos EUA através da obscura Pop TV, mas a popularidade não foi imediata, apesar das críticas genericamente favoráveis. Só quando a Netflix entrou em cena, em 2017, disponibilizando em streaming as primeiras temporadas, é que a série começou a descolar. Não é um fenómeno novo. Tem nome, inclusive: “The Netflix Bump” (qualquer coisa como “o empurrão Netflix” – nas audiências, claro está). Entre as muitas produções que já beneficiaram deste factor, encontra-se um título de monta: Breaking Bad. A argúcia para as redes sociais (gifs, gifs por todo o lado) e um argumento com significativos ganhos de qualidade entre temporadas fizeram o resto.
A ideia de Schitt’s Creek é de Dan Levy. Surgiu-lhe enquanto via programas de reality TV como Keeping Up With The Kardashians. O que aconteceria se estas pessoas, estas famílias inteiras, fossem despidas do seu privilégio, se fossem forçadas a descer das nuvens e a viver com as dificuldades que assolam a maioria? Dan reservou para si mesmo o papel do filho arrogante, chamou o pai, Eugene Levy (de American Pie, exactamente); seduziu para o elenco principal Catherine O’Hara (a mãe de Sozinho em Casa, nem mais) e a até então desconhecida Annie Murphy, que interpreta a irmã alienada; e fez a experiência: largou a família Rose num motel de beira de estrada, em dois quartos contíguos, separados por uma parede finíssima e infiltrações no tecto, não só a lidar com a miséria recém-descoberta, sem meios para regressar à antiga condição social, mas também com uma caderneta de cromos locais que os deixará amiúde sem reacção, congelados na perplexidade. Essa é uma diferença fundamental com outra sitcom de culto, Arrested Development – De Mal a Pior, que também retrata uma família caída em desgraça; aí, os Bluth são isolados e o interesse recai sobre as relações entre os protagonistas. Aqui, está nas relações da família Rose com os outros. Originalmente no contraste que se opera, depois, à medida a série vai ganhando força narrativa, nas plataformas de entendimento que são capazes de criar apesar das imensas diferenças que os separam. Se o mundo não pertencesse aos cínicos, dir-se-ia, como os antigos, que a rir se corrigem os costumes...
TVCine Emotion. Qui 22.10 (Estreia T1).
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